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À espera da glorificação



Sabemos que fomos purificados com o Sangue do Senhor, vertido por nós na ara da Cruz. Os efeitos desta nossa purificação, desta redenção, chega-nos pelo Batismo, que nos insere a fé ao coração. Esta fé, alimentada pela Palavra de Deus (que é o próprio Cristo, que nos orienta), anima-nos ao Céu, de maneira tal que compromete toda a nossa vida no anseio da glória.


Observemos uma das epifanias de Deus a Abrão (cf. Gn 15,5-12.17-18). Perceba, caro leitor, em primeiro lugar, que ainda não dizemos Abraão, mas Abrão. Isto porque estava ele no processo de, pela fé, conhecer o único e verdadeiro Deus. Abrão recebe um convite: "Olha para o céu e conta as estrelas se fores capaz!" (Gn 15,5). Num momento, achamos que este chamado se refere à quantidade dos descendentes de Abrão, como designa o acréscimo que o Senhor faz ao Patriarca: "Assim será a sua descendência" (Ibidem). Mas, pensemos também que, à observação de Abrão, junta-se o nosso futuro: não o de sermos astros, estrelas, mas a nossa destinação pelos vínculos da fé batismal com o Sangue de Cristo: o Céu por glória.


Percebemos que Abrão não estava pronto na fé, e, ao juramento de Deus sobre uma prole e uma terra, expressa a sua dúvida, principalmente graças à sua idade avançada; logo, à impotência da sua humanidade: "Senhor Deus, como poderei saber que vou possuí-la?" (Gn 15,8). Abrão tipifica a humanidade que ainda não mergulhou na experiência profunda com Deus, haja vista, inclusive, o significado de seu nome: Abrão, pai de um povo; do povo que é vacilante, incipiente na fé.


É quando Deus faz a primeira aliança com o que se converterá Abraão, quando já um pouco mais amadurecido na fé. Os animais sacrificados e partidos ao meio, com partes dispostas uma frente a outra, era, culturalmente, um compromisso que duas partes contraentes faziam entre si. Estas, ao passarem entre os cadáveres, se comprometiam a que, não cumprindo o que fora acordado, acontecesse o que acontecera aos animais, de que poderiam pagar com as suas vidas e, depois de mortos, divididos em seus corpos como ultraje.


Na espera de que Deus firme o compromisso em primeiro lugar, aparecem aves de rapina, a que Abrão as enxotará (cf. Gn 15,11). Isto para nos aludir, como figura, que o maligno, como ladrão, deseja subtrair-nos, a todo custo, da aliança com Deus, atrapalhando-nos em nossa constante espera por Ele. Mas, para Abrão, Deus tardou, embora o homem não cansasse de esperar por Ele. No ocaso do sol, o sono toma conta de Abrão, que também é assaltado de grande e misterioso pavor (cf. Gn 15,12). É o sono e a escuridão do desânimo que, por vezes, se nos abate. E, quando tudo se fazia enfadonho, tenebroso e desesperançoso, Deus manifesta-Se num braseiro e numa tocha de fogo, fazendo, solenemente, o Seu juramento, mas somente Ele, e não o homem. Mas, por que só Deus? Porque o céu que nos espera, a glória prometida a nós é puro dom. Não temos, em nós mesmos, forças para sustentar, sem a divina graça, um compromisso com Deus, tampouco alçarmos uma subida para uma sublime realidade.


Sempre no Segundo Domingo da Quaresma, a Igreja proclama o trecho do Evangelho que apresenta a Transfiguração do Senhor. Na montanha do Tabor, o Cristo, antecipando a Sua glória, é transfigurado. Para a glorificação com Cristo, somos transfigurados a Ele. E para que isto aconteça, devemos mergulhar nos mistérios divinos, alimentando em nosso coração a fé pelo escutar o mesmo Cristo a quem somos, desde já e seremos plenamente, semelhantes. Puros. "Bem-aventurados os puros em seus corações, porque verão a Deus" (Mt 5,8). E é isto que queremos: ver Deus. Então, é preciso descermos às realidades daqui de baixo, sem nos contaminarmos com elas, para, nunca deixando de escutar o Cristo-Palavra, peregrinarmos puros para subirmos à glória.


Muito mais fulgurante do que a manifestação de Deus a Abrão ou no Tabor está a Eucaristia, realidade que, no espaço e no tempo, nos faz pré-degustar a glória da eternidade. Que, em cada experiência eucarística, digamos, impulsionados pela certeza: "Mestre, é bom estarmos aqui" (Lc 9,33). Mas, com o findar da Missa, será necessário que descermos sem nos esquecermos do que nela, pela fé, vimos, ouvimos e sentimos, nutrindo em nós o desejo e os caracteres da glória que nos espera. Aprendamos estas lições!


Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).

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