Bispos da bacia do rio São Francisco saem em defesa do Velho Chico

Em uma nota intitulada “Carta da Lapa”, os bispos fazem um gravíssimo alerta para o que classificam de processo de morte do rio São Francisco, assumindo, de forma colegiada, a defesa do Velho Chico, de seus afluentes e do povo que habita sua bacia. Com a indicação de várias propostas, o documento é fruto de encontro realizado em Bom Jesus da Lapa-BA, no final de novembro. Os bispos que o subscrevem representam 11 das 16 dioceses da bacia do São Francisco, compreendendo os estados da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Minas Gerais.
Lei a nota na íntegra:
“Nas margens da torrente, de um lado e de outro, haverá toda
espécie de árvores com frutos comestíveis, cujas folhas e frutos
não se esgotarão. Essas árvores produzirão novos frutos de mês em
mês, porque a água da torrente provém do santuário. Por isso, os
frutos servirão de alimentos e as folhas de remédio” (Ez 47,12).
À luz do Evangelho, em comunhão com o Papa Francisco e inspirados
pela carta encíclica “Laudato Sí”, nós, bispos da bacia do Rio São Francisco,
representando onze das dezesseis dioceses, diante do processo de morte em
que este Rio se encontra e das consequências que isto representa para a
população que dele depende, assumimos de forma colegiada a defesa do
Velho Chico, de seus afluentes e do povo que habita sua bacia.
Como pastores a serviço do rebanho que nos foi confiado, constatamos,
com profunda dor: (a) o sumiço de inúmeras nascentes de pequenos
subafluentes e, em consequência, o enfraquecimento dos afluentes que
alimentam o São Francisco; (b) o aumento da demanda da água para a
irrigação, indústria, consumo humano e outros usos econômicos, sem levar em
conta a capacidade real dos rios de ceder água; (c) a destruição gradativa das
matas ciliares expondo os rios ao assoreamento cada vez maior; (d) a
decadência visual dos rios e da biodiversidade; (e) o aumento visível dos
conflitos na disputa pela água em toda a região; (f) empresas sempre fazem
prevalecer seus interesses e o Estado acaba por ser legitimador de um modelo
predatório de desenvolvimento.
Tudo isso vem gerando a destruição lenta e cruel da biodiversidade do
Velho Chico e, consequentemente, sua morte gradativa.
Diante dessa triste realidade, enquanto bispos da bacia do Rio São
Francisco e pastores do rebanho que nos foi confiado, propomos:
1. Sermos uma “Igreja em Saída”: Ir ao encontro do povo e, como
pastores, convocar os cristãos e as pessoas sensíveis à causa, para
juntos assumirmos o grande desafio de salvar o rio da morte e garantir a
vida humana, da fauna e da flora que dele dependem;
2. Sermos uma “Igreja Missionária”: Realizar visitas às nossas
comunidades, missões, peregrinações, romarias e estabelecer um
diálogo aberto com as pessoas para que entendam e assumam, à luz da
fé, o cuidado com a “Casa Comum”, particularmente, a defesa do nosso
Rio;
3. Sermos uma “Igreja Profética”: Elaborar subsídios educativos sobre
meio-ambiente e o modo de preservá-lo. Utilizar os meios de
comunicação, rádios, periódicos diocesanos para levar ao maior número
de pessoas a boa nova da preservação da vida;
4. Sermos uma “Igreja Solidária”: Reforçar as iniciativas populares de
recomposição florestal, recuperação de nascentes, revitalização de
afluentes; incentivar a ética da responsabilidade socioambiental capaz
de gerar um modo de vida sustentável de convivência com a caatinga, o
cerrado e a mata atlântica; defender políticas públicas para
implementação do saneamento básico, apoio à agricultura familiar,
manutenção de áreas preservadas, a exemplo dos territórios das
comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, indígenas,
quilombolas, ribeirinhos, pescadores, etc.
5. Finalmente, declaramos nossa posição em defesa do “Repouso
Sabático” para os nossos biomas a fim de que possam se reconstituir.
Particularmente, uma moratória para o Cerrado, por um período de dez
anos. Durante esse período não seria permitido nenhum projeto que
desmate mais ainda o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica, biomas
que alimentam o Rio São Francisco e dele também se alimentam.
6. Nesse sentido chamamos as autoridades federais, os governadores,
prefeitos, deputados, senadores, o Ministério Público, para que
assumam sua responsabilidade constitucional na defesa do Velho Chico
e do seu povo.
Que São Francisco, padroeiro da Ecologia e do Rio que traz o seu nome,
nos inspire a cuidar da Criação. Que o Bom Jesus da Lapa, de cujo Santuário
provém a água da torrente, abençoe e dê vida ao nosso Velho Chico e ao povo
do qual ele é pai e mãe.
Bom Jesus da Lapa, 1º Domingo do Advento de 2017.
Dom José Moreira da Silva – Bispo de Januária (MG)
Dom José Roberto Silva Carvalho – Bispo de Caetité (BA)
Dom João Santos Cardoso – Bispo de Bom Jesus da Lapa (BA)
Dom Josafá Menezes da Silva – Bispo de Barreiras (BA)
Dom Luiz Flávio Cappio, OFM – Bispo de Barra (BA)
Dom Tommaso Cascianelli, CP – Bispo de Irecê (BA)
Dom Carlos Alberto Breis Pereira, OFM – Bispo de Juazeiro (BA)
Monsenhor Malan Carvalho – Administrador Diocesano de Petrolina (PE)
Dom Gabriele Marchesi – Bispo de Floresta (PE)
Dom Guido Zendron – Bispo de Paulo Afonso (BA)
Monsenhor Vitor Agnaldo de Menezes – Bispo eleito de Própria (SE)