A Sagrada Escritura e a superação da violência
Nós somos os anunciadores da paz. Somos responsáveis pela construção da fraternidade. Somos nós que haveremos de superar a violência

O tema da violência é encontrado abundantemente na Sagrada Escritura. E, muito mais, no Antigo Testamento.
A violência não deve ser aceita, sob nenhuma forma e em nenhuma hipótese. Deus não criou a violência, nem a quer entre os seus filhos. Estes, ou muitos destes, tornaram-se violentos e praticam atos de violência.
Na verdade, há uma gama muito grande de atos violentos no Antigo Testamento. Às vezes, uma leitura superficial da primeira parte da Bíblia pode conflitar com dispositivos bíblicos, especialmente do Novo Testamento, que sugerem a punição dos atos violentos, para que se tenha o estabelecimento da justiça e da superação da violência.
É preciso, entretanto, entender o caminho percorrido pela Revelação, a sua progressividade, necessitando de uma leitura mais aprofundada do Livro Santo, a fim de que se tenha clareza sobre a imagem de Deus, que nos quer como o que de fato nós o somos: irmãos e herdeiros da graça.
No Antigo Testamento, Deus, que é Pai de misericórdia, não quer a violência. Ele pune os violentos. Deus sempre quis que a violência fosse superada. Para tanto, nos dias de hoje, é preciso que nós, todos nós, tenhamos a firmeza de denunciar e combater os atos de violência que, por ventura, possamos sofrer ou que possamos tomar conhecimento que os nossos irmãos estão sofrendo. O silêncio, o descaso e a omissão são armas que servem para acobertar a violência.
A fraternidade nos leva a compreender que o mundo se torna agradável quando o amor envolve os seres humanos. Ao contrário, se os homens são envolvidos pelo ódio, há a desagregação do mundo, da vida social.
Deus ao criar o mundo viu que tudo era bom. Mas, o homem e a mulher na ânsia incontida de obter a imortalidade do corpo, como nos diz o texto do livro do Gênesis, no capítulo terceiro, acreditaram na voz venenosa, na voz da discórdia, e lançaram-se sobre o fruto proibido. Esta figura nos mostra o quanto o homem criado à imagem e semelhança de Deus produz violência, contrariando os planos de Deus para a humanidade.
Pelo pecado, Adão e Eva se rebelaram contra a determinação de Deus, para que não comessem do fruto da árvore proibida, foi um ato de violência contra Deus. A desobediência é, sim, um ato violento que pode gerar mais violência. Foi o que aconteceu no caso dos nossos pais primitivos.
A violência continuou no rastro da consequência da inveja de Caim por conta do sacrifício que o seu irmão Abel fizera em louvor a Deus, reconhecendo e agradecendo a Deus por tudo que Ele lhe tinha proporcionado. Invejoso, Caim viu que o sacrifício de Abel agradara a Deus, ao contrário do sacrifício dele, Caim, que ofereceu a Deus o que não era digno do Criador.
A inveja, portanto, fez com que Caim cometesse homicídio contra o seu irmão. Por isso, ele foi punido por Deus. Os violentos devem pagar pelos seus atos. A impunidade deve ser sempre combatida. Impunidade não significa um gesto de misericórdia. E a misericórdia não significa atrelamento à impunidade. A misericórdia é uma dádiva da bondade de Deus para conosco. A impunidade é a negligência do homem para favorecer direta ou indiretamente outros homens, geralmente poderosos. Isso deve ser inaceitável.
O mal se espalhou sobre a Terra. Na tentativa de combater os atos violentos, leis foram surgindo para proibir os assassinatos e todas as formas de violência contra a pessoa humana. A Lei de Deus exige compromisso com a verdade, como podemos ler em Êxodo 20,16, ou Deuteronômio 5,20. Mas, a Lei de Deus também “exige a justiça social, a fim de evitar que pessoas colocadas em situações desfavoráveis venham a praticar atos de violência, mesmo num contexto de subsistência, porque a justiça e a paz são inseparáveis (salmo 85,10)”. É o que alerta o Texto-Base da Campanha.
Há, no Antigo Testamento, três momentos especiais de exortação ao combate à violência.
O primeiro diz: “Não oprimas o estrangeiro; vós sabeis o que é ser estrangeiro, pois fostes estrangeiros no Egito” (Ex 23,9). Aqui, o favor de Deus se transforma em exemplo a ser seguido pelo povo.
O segundo afirma: “Não guardes no coração ódio contra teu irmão. Repreende teu próximo para não te tornares culpado de pecado por causa dele” (Lv 19,17). Evitando guardar rancor, evitam-se possíveis maquinações de vingança. Assim, o amor triunfa. A tolerância triunfa. A generosidade triunfa.
O terceiro alerta: “Não procures vingança nem guardes rancor aos teus compatriotas. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor” (Lv 19,18). A regra do amor “é apresentada como sinal de compaixão e meio de construção de uma sociedade baseada em simples reparações ao mal e à violência, mas que busca edificar-se de forma pacífica”, diz o Texto-Base.
Precisamos julgar, no sentido de avaliar e compreender. No Antigo Testamento há guerras e muitos outros atos violentos. É preciso, todavia, entender os textos bíblicos nos contextos narrados ou nos quais foram escritos.
No Novo Testamento Jesus anuncia a Boa Nova da reconciliação e da paz. A Revelação nos apresenta um tempo novo, um mundo novo. E todos nós cristãos, homens e mulheres, somos os edificadores desse mundo novo. Somos os continuadores do anúncio e da concretização do Reino de Deus entre nós.
Nós somos os anunciadores da paz. Somos responsáveis pela construção da fraternidade. Somos nós que haveremos de superar a violência. Em nome do Senhor Jesus, nós haveremos de conseguir.