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Oscar Romero, um mártir das Américas


No último domingo, 14 de outubro, o Papa Francisco, em celebração solene na Santa Sé, canonizou o beato Oscar Romero, que derramou o seu sangue, assassinado covardemente por mãos ímpias e a mando de mentes sujas. Dom Oscar Arnulfo Romero Y Gadamez nasceu em Ciudad Barrios, um povoado onde se produzia café, no Departamento de San Miguel, a 156 quilômetros de San Salvador, no dia 15 de agosto de 1917, numa família de origem humilde.

Em 1931 ingressou no Seminário Menor de San Miguel, onde ficou conhecido como 'O menino da flauta', por sua habilidade em utilizar uma flauta de bambu que herdou de seu pai. Em 1937, ingressou no Seminário Maior San José de la Montaña, em San Salvador, e sete meses depois, viajou para estudar teologia em Roma, onde presenciou as calamidades da Segunda Guerra Mundial.

Foi ordenado padre em 1942. Desde cedo, mostrou-se um sacerdote generoso e atuante: visitava os doentes, lecionava religião nas escolas, foi capelão de presídio. Os pobres carentes faziam fila na porta de sua casa paroquial, pedindo e recebendo ajuda. Durante 26 anos, na função de pároco, Oscar Romero conheceu a miséria profunda que assolava o seu pequeno país, devastado por tubarões da política local.

Em 21 de junho de 1970 foi nomeado bispo auxiliar de San Salvador, e em 15 de outubro 1974, bispo de Santiago de María, no Departamento de Usulután. Enfim, foi nomeado arcebispo da capital do país, San Salvador, em fevereiro de 1977.

Na década de 1970, a maioria dos países sul-americanos vivia duras experiências de ditaduras militares. Também para El Salvador era um período de grandes conflitos.

Em março de 1977, um mês depois de tomar posse como arcebispo, ocorreu o assassinato do padre Rutilio Grande, junto com dois camponeses. Dom Romero passou a denunciar as injustiças sociais por meio da rádio católica Ysax e da revista Orientación, tornando-se conhecido como “A voz dos sem voz“. Sempre destemido, Dom Romero era um homem do povo, um pastor simples, de profunda sensibilidade para com os sofrimentos da maioria, de firme perspicácia aliada à coragem de decisão.

Denunciava em suas homilias dominicais os muitos atropelos contra os direitos humanos em El Salvador e manifestava publicamente a sua solidariedade com as vítimas da violência política. O país chegou a viver uma guerra civil entre 1979 e 1992. Dentro da Igreja, Dom Romero defendia a “opção preferencial pelos pobres“, emanada da Conferência Episcopal de Medellín, em 1968, e renovada na de Puebla, em 1979.

Em 1979, o presidente de El Salvador foi deposto pelo golpe militar. A ditadura se instalou no país e, pouco a pouco, a violência cresceu. Reinou o caos político, econômico e institucional no país. De janeiro a março de 1980 foram assassinados 1.015 salvadorenhos. Os responsáveis pertenciam às forças de segurança e às organizações conservadoras do regime militar instalado no país.

Outro sacerdote seria assassinado violentamente por defender os camponeses, que foi pedir abrigo em sua paróquia. Mais uma vez, Dom Romero teve que se posicionar e, de pronto, se colocou no meio do conflito. Não para aumentá-lo, mas para ajudar a resolvê-lo. Esta atitude revelou o quando sua espiritualidade foi realista e o seu coração, sereno e obediente ao Evangelho de Jesus Cristo. Ele sabia que a sua atitude corajosa poderia sofrer duras retaliações. Naquele momento, o tão sofrido Continente Latino-americano sangrava em vários lugares, inclusive no Brasil.

Dom Romero jamais esmoreceu em sua luta a favor dos pobres e para ver os conflitos políticos apaziguados. Forças poderosas voltaram-se contra ele, que anteviu a própria morte. No dia 24 de março de 1980, Dom Romero foi fuzilado, em meio aos doentes de câncer e enfermeiros, enquanto celebrava uma missa na capela do Hospital da Divina Providência, na capital de El Salvador.

Na véspera de sua morte, Dom Romero havia feito mais um pronunciamento contundente contra a repressão no país: “Em nome de Deus e desse povo sofredor, cujos lamentos sobem ao céu todos os dias, eu lhes peço, eu lhes suplico, eu lhes ordeno: cessem a repressão”.

Sua ação pastoral visava ao entendimento mútuo entre os salvadorenhos. Criticava duramente tanto a inércia do governo, as interferências estrangeiras, como as injustiças praticadas pelos grupos tidos como "revolucionários". O arcebispo Dom Oscar Romero foi fiel à Igreja, e pagou com a vida o preço de ser discípulo de Cristo. O seu nome foi incluído na relação dos 1.015 salvadorenhos que foram assassinados, em 1980.

Os assassinos calaram a voz de Dom Oscar Romero, mas, jamais apagariam a sua memória. O povo não o esqueceu. A Igreja não o esqueceu, porque um mártir não pode ser esquecido. Ao contrário, o sangue dos mártires, desde o começo do Cristianismo, junta-se ao sangue precioso de Cristo, para dar testemunho da força da Palavra de Deus.

O assassinato de Dom Romero provocou protestos mundiais e fortes pressões internacionais por reformas em El Salvador. Em 1992, uma investigação da ONU concluiu que o autor intelectual do assassinato foi Roberto D’Aubuisson, ex-oficial do exército e político governista.

Ao receber em audiência no Vaticano uma delegação de 400 salvadorenhos no dia 30 de outubro de 2015, o Papa Francisco definiu assim o beato Romero: “Um pastor bom, cheio de amor de Deus e próximo dos seus irmãos, que, vivendo o dinamismo das bem-aventuranças, chegou até a entrega da sua vida de maneira violenta, enquanto celebrava a Eucaristia, Sacrifício do amor supremo, selando com o próprio sangue o Evangelho que anunciava”.

Em março deste ano, o Papa Francisco autorizou a Congregação das Causas dos Santos a promulgar o decreto que reconhece os milagres atribuídos à intercessão do beato Dom Oscar Romero, para que fosse canonizado. Amanhã, portanto, Dom Romero será declarado santo. Um santo mártir das Américas, que teve o seu sangue derramado porque combateu a violência contra o seu povo e desafiou os poderosos em defesa dos direitos humanos.

Junto com Dom Romero, também foi canonizado o beato Paulo VI, este grande Pontífice, que, com mãos santas, segurou a Igreja de Jesus Cristo nos difíceis momentos pós-conciliares e que, dentre tantas outras encíclicas e exortações apostólicas, nos deu a Populorum Progressio, a Mysterium Fidei e a Evangelii Nuntiandi. E ainda foram canonizados no mesmo domingo Pe. Francesco Spinelli, Pe. Vincenzo Romano, Maria Catarina Kasper, Madre Nazaria Ignacia de Santa Teresa de Jesus e o jovem Nunzio Sulprizio. A cerimônia foi presidida pelo Papa Francisco na Praça de São Pedro.

Que os cristãos do Brasil e do mundo inteiro jamais cedam à violência e não compactuem com os seus semeadores. Em nome do Cristo de Deus.


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