A concessão de talentos para o Reino

No último domingo do Ano Litúrgico, também chamado de Domingo de Cristo Rei do Universo, quero chamar a atenção de que o Senhor, missionário do Pai, nos outorga para ser nossa a sua missão de incumbir-se das coisas Deus, e, para tanto, capacita-nos com dons e talentos.
O Evangelho de São Lucas apresenta-nos, dentre tantas, uma parábola cheia de nuances, de detalhes (cf. Lc 19,11-28). Primeiramente, fala-nos que o Senhor já estava às portas de Jerusalém, a fim de padecer, morrer e ressuscitar conforme as Escrituras, consumando a Sua missão salvadora. E o Evangelista, como que lendo as entrelinhas dos corações dos que ali se encontravam, informa-nos de que os que seguiam o Senhor imaginavam que o Reino dos Céus viria tempestivamente, e que o Senhor não chegaria ao patíbulo do sofrimento e da cruz (cf. Lc 19,11). Francamente, o Reino de Deus não chegaria num futuro próximo ou distante. Não. O Reino já estava ali, diante deles: o Reino de Deus é a Pessoa do próprio Jesus, que operou sinais, prodígios, que Lhes falou das realidades divinas, e que, dentro em pouco, iria consumar a Sua obra na Cruz.
Então, conta-nos o Mestre uma parábola na qual um homem de origem nobre partiu para um país longínquo a fim de receber a investidura real. Detenhamo-nos por um instante! Na sua descrição, Jesus poderia ter dito um nobre ou apenas um homem, apelando para a nossa lógica de bons entendedores. Mas, designa-o como homem nobre. E o que significa isto? São Cirilo, em comentário, reforça em nós a ideia subjacente de que, com esta parábola, Cristo referia-Se a Si mesmo e não a um outro: “O espírito desta parábola descreve todos os mistérios de Jesus Cristo desde o primeiro até o último, porque Deus Se fez homem existindo como Verbo, e ainda quando Se converteu em servo, é, porém, nobre, segundo Seu inefável nascimento do Pai”.
Ao chamar seus colaboradores para administrar as suas moedas, os seus talentos, aquele homem misterioso por sua nobreza, compartilha do que tem e parte. A esta partida, interpreta-se como a Ascensão de Cristo e o retorno, como a Parusia, ou seja, a Vinda gloriosa de Jesus. Então, digamos, sem medo de equívocos: com a Sua ausência física neste mundo, o Senhor nos confia os seus dons, para que os desenvolvamos; Ele que, na Sua admirável Providência, capacita-nos e nos assiste com a Sua presença espiritual, com o Seu Paráclito.
O Senhor confia-nos a administração dos Seus bens, da Sua graça. E o faz pela Sua Igreja. Neste sentido, notando toda a história bimilenar desta instituição divina em meio ao mundo e aos homens, observamos que muitos – muitos de verdade – se interessaram e desenvolveram os talentos que o Senhor lhes confiou; infelizmente, outros não, fazendo pouco caso, na sua irresponsabilidade ou no seu torpor, da grande missão que o Pai pelo Filho, que o Pai e o Filho, no Espírito Santo, legou-nos; nós que somos membros vivos do Corpo Místico de Cristo, onde Ele é a Cabeça, que tudo governa.
Trabalhar bem para o Senhor: eis o que a Igreja continua a fazer desde Pentecostes, quando recebeu o imenso Dom do Espírito Santo – enviado por Cristo – e, com Ele, a inefável Palavra de Deus, a força dos sacramentos, as indulgências, enfim, toda a riqueza da fé Católica. É por isso que São Josemaría Escrivá admira-se: “Em vinte séculos [ousamos completar: em vinte e um séculos], trabalhou-se muito; não me parece nem objetivo nem honesto a ânsia com que alguns querem menosprezar a tarefa dos que nos precederam. Em vinte séculos realizou-se um grande trabalho e, com frequência, realizou-se muito bem. Em certas épocas, houve desacertos, recuos, como também hoje há retrocessos, medos, timidez, ao mesmo tempo que não faltam atitudes de valentia e generosidade. Mas a família humana renova-se constantemente; em cada geração é necessário continuar o empenho de ajudar o homem a descobrir a grandeza da sua vocação de filho de Deus, e inculcar-lhe o mandamento do amor ao Criador e ao próximo”. A nossa vida de batizados é tempo único para fazer frutificar os bens divinos. Tenhamos consciência disto, e não embrulhemos no lenço do comodismo e do desinteresse o grande tesouro da fé a ser desenvolvida neste mundo que odeia Deus, e que, por esta mesma fé, precisa ser conquistado por Cristo, que, por todos, derramou o Seu Sangue; este mundo que brada, impenitente: “Não queremos que Jesus reine sobre nós!”.
Precisamos desagravar o coração tão bondoso de Jesus, muito apunhalado pelos indiferentes e odiosos à Sua Lei. Precisamos repetir, bradar, como São Paulo: “Convém que Ele reine!” (1Cor 15,25). E que isto não seja dito de boca para fora: mas encontre vivacidade nas nossas ações que visam preparar a consumação deste Reino, nós que imploramos a sua vinda quando rezamos o Pai-nosso. Sirvamos o Senhor, sirvamos o Seu Reino com os talentos que Ele nos confiou. Sirvamo-Lo, pondo sob o prisma da fé tudo o que somos, temos e fazemos. O Senhor é bom pagador nesta vida quando Lhe somos fiéis. Que será no Céu?! Sintamo-nos, pois, responsáveis em dilatar o Reino de Cristo.
Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da paróquia Nossa Senhora da Conceição (Mosqueiro, Aracaju).