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A espada que defendeu Jesus



Quando lemos todo o processo que culmina com a morte do Salvador da humanidade segundo o relato detalhado de São Lucas, algumas palavras de Jesus parecem-nos enigmáticas, entretanto, são prenhes de profundidade, típicas do mistério de Deus.


Uma dessas está, com certeza, na ordem dada pelo Senhor: “‘Agora, quem tiver bolsa, deve pegá-la; do mesmo modo, quem tiver uma sacola; e quem não tiver espada, venda o manto para comprar uma. Porque eu vos digo: É preciso que se cumpra em mim a palavra da Escritura: ‘Ele foi contado entre os malfeitores’. Pois o que foi dito a meu respeito tem de se realizar’. Mas eles disseram: ‘Senhor, aqui estão duas espadas’. Jesus respondeu: ‘Basta’” (Lc 22,36-38).


O mesmo Jesus que, ao enviar os seus Apóstolos para a missão, ordenou que não levassem nem cajado, nem bolsa, nem pão, nem dinheiro, nem duas túnicas (cf. Lc 9,3), agora diz-lhes o contrário. Das duas uma: ou Jesus é paradoxal ou o pedido na sua Paixão é outro. Sim, a solicitação de Jesus é outra, porque a lei do desapego prossegue. O que, então, quis dizer Nosso Senhor? A bolsa e a sacola referidas aqui significam o arcabouço dos Seus ensinamentos, o conteúdo da fé deixada por Jesus; as espadas representam que os que desejam seguir o Senhor da Cruz, com o alforje repleto do que é do Céu, defender-se-ão com a espada da Palavra de Deus, tal como o próprio Jesus diante dos sumos-sacerdotes, de Pilatos, de Herodes, do Mau Ladrão, enfim diante de todos os Seus acusadores e algozes. São Paulo também entendeu a Palavra de Deus como arma potente. Por isso, escrevendo aos Efésios, se exprime: “Por isso, revesti-vos com a armadura de Deus, a fim de que possais resistir no dia mau e permanecer firmes depois de terdes superado toda prova. [...] Em todas as circunstâncias, empunhai o escudo da fé, com o qual podereis apagar todas as flechas incendiadas do Maligno. Ponde o capacete da salvação e empunhai a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus” (Ef 6,13.16-17).


Jesus empunhou consigo nobre espada, pela qual sempre será válido empregar tudo para tê-la conosco; Ele, a Palavra encarnada. Os Evangelistas não O mostram de outra forma senão com os lábios a cantar os Salmos: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”, o Salmo 21 (cf. Mc 15,34); “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”, o Salmo 31 (cf. Lc 23,46); ou ainda: “Que a minha língua se prenda ao céu da boca se eu não me lembrar de ti, Jerusalém”, contemplando o Salmo 136, trazido por São João na expressão “Tenho sede” (19,28). Em Sua própria pele, encarna o Servo Sofredor, confiante: “O Senhor Deus é meu auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado” (Is 50,7).


Ao se valer da espada ‘Palavra’, Jesus recrimina o segundo gládio, a segunda espada: aquele jeito meramente humano de tentar resolver - em vão - as situações, as agruras da vida, tantas vezes na desesperança de Deus. Daí é que o Senhor, mesmo encurralado pela multidão, não alimenta a proposta dos discípulos: “Senhor, vamos atacá-los com a espada?” (Lc 22,49). E, quando, abruptamente, um deles saca da lâmina e fere Malco, o servo do sumo-sacerdote, Jesus, repreendendo a ação, diz: “Guarda a espada! Todos os que usam da espada, pela espada perecerão. Ou pensas que eu não poderia recorrer ao meu Pai que me mandaria, já agora, mais de doze legiões de anjos?” (Mt 26,52-53). E mais: cura o ferimento feito pelo golpe.


A Paixão do Senhor é ensinamento de paciência, de coragem, de confiança. Jesus, nas Suas condenação e morte, realizou, em Si mesmo, o que exortava aos Seus: “Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma!” (Mt 10,28). Para tanto, ele nos instrui pelo autor da Carta aos Hebreus: “A palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas. Julga os pensamentos e as intenções do coração. Não há criatura que possa ocultar-se diante dela. Tudo está nu e descoberto aos olhos daquele a quem devemos prestar contas” (4,12-13).


Que nos apoiemos em tão magna aula, dada pelo Senhor na cátedra de Sua Cruz.

Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Mosqueiro (Aracaju).

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