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A Esposa Igreja


O Evangelho segundo São João é tipicamente rico e profundo. No primeiro dos sete sinais de Jesus (cf. Jo 2,1-12), oferecidos pelo “Quarto Evangelho”, temos explanado o sentido da entrada, da chegada do Salvador em nosso meio: com a Sua missão de resgatar, de purificar corações, almas para Deus, Cristo “apaixonou-Se” por nós e nos desposou, porque tem a Igreja por Esposa, como realidade que brota do Seu coração mesmo, aberto pela lança no mistério da Sua Cruz redentora.


São João, na sua experiência, aproveita-se da cena de um casamento em Caná, onde Jesus, Sua Mãe Maria e os discípulos estavam e enxerga aí muitos sinais que já apontam para o mistério de nossa salvação operado pelo Senhor. Na realidade, estas núpcias retratadas não são outras senão a acontecida no Calvário entre Cristo e a Sua Igreja; e, a partir desta, com os seus filhos, conosco. Ele, o noivo; a Igreja, a Sua Esposa; e nós, que brotamos desta profunda e eterna relação íntima de amor divino para com a Sua criatura. Neste sentido, o trecho do Profeta Isaías parece-nos socorrer, parece comentar tal afinidade: “E serás uma coroa de glória nas mãos de teu Deus. Não mais te chamarão Abandonada, e tua terra não mais será chamada Deserta; teu nome será Minha Predileta e tua terra será a Bem-Casada, pois o Senhor agradou-se de ti e tua terra será desposada. Assim […] como a noiva é a alegria do noivo, assim também tu és a alegria de teu Deus” (Is 62,3-5).


Quando lemos o episódio das Bodas de Caná, ouvimos São João começar a sua narrativa, afirmando: “No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia…” (Jo 2,1). E a localização cronológica não é por acaso: é uma referência direta ao Sacro Tríduo Pascal, da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. É na máxima prova de Seu amor, na Sua paixão, que Cristo desposou a Igreja, desposou a nossa alma: somos “esposa do Senhor”. Esta verdade ainda se encontra nestes primeiros versículos do Evangelho: “[…] a mãe de Jesus estava presente. Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o casamento” (Jo 2,1-2). Ou seja: todos nós somos convocados para as “Bodas do Cordeiro”. Sim, do Cordeiro. E isto nos explica Santo Agostinho: “O Senhor foi convidado para as núpcias. Que admira que tenha assistido às núpcias naquela casa, se ele veio ao mundo para realizar as suas núpcias!? Se assim não foi, não tem esposa no mundo. […] Jesus tem no mundo uma esposa que ele remiu com o seu sangue, e à qual deu, como penhor, o Espírito Santo. Arrancou-a ao jugo do demônio, morreu por causa dos seus delitos, e ressuscitou por causa de sua justificação. Quem seria capaz de oferecer à sua esposa tão grandes presentes? Os homens oferecem preciosidades da terra, tais como ouro, prata, pedras preciosas, cavalos, propriedades, quintas, palácios. Poderia algum oferecer o seu sangue? Quem tivesse de dar o sangue à esposa, não viria a contrair os esponsais [grifo nosso: pois morreria; não se casa com defunto]. Mas o Senhor com a sua morte deu o seu sangue por aquela que viria a possuir, depois de ressuscitar, e com a qual já tinha contraído os esponsais no seio da Virgem” (Comentário ao Evangelho e ao Apocalipse de São João).


E continua, estabelecendo o amor teológico entre Cristo e a Igreja na relação figurativa entre Adão e Eva: “Cristo uniu-se à Igreja, para serem dois numa só carne. […] Adão dorme para se formar Eva; Cristo morre para se formar a Igreja. Eva é formada do lado de Adão, enquanto este dormia; depois da morte de Cristo, o seu lado é aberto pela lança, brotando daí os sacramentos com que é formada a Igreja” (Idem). E ouso completar o Bispo de Hipona: e de onde, nós, os filhos da Igreja, e Igreja também por sermos do Corpo Místico do Senhor, somos alimentados e vivemos. E vivemos como? Exercitando no mundo os dons do Alto, concedidos pelo Espírito Santo. Sustentados pelos Sacramentos, nos quais Cristo e a Igreja alimentam os seus filhos, fazendo com que, por nossas mãos e vida, estejam [a saber: Cristo e a Igreja] presentes e atuantes no mundo.


Creio que nos cabe uma série de perguntas a serem respondidas com a transparência de nossa consciência: como partícipe do Corpo Místico de Cristo, que é a Sua Igreja e Esposa, a minha alma tem se afeiçoado do Divino Esposo, dando-Lhe a alegria de ser-Lhe correspondido no amor que Ele me tem? Vivo na fidelidade a Ele, tal como Ele é fiel a Sua Igreja e Esposa, a tal ponto que verteu o Seu Sangue redentor por amá-la? Experimento a intimidade com Ele na relação profunda do meu coração?


Maria, com a Sua presença fiel, prova-nos a vivência íntegra da possibilidade deste amor entre a Igreja e seu Deus e Esposo. Ela é Mãe da Igreja, mas também é sua filha. E isto nos prova a verificação feita pelo Evangelista nos dois primeiros versículos do Evangelho ora comentado: “[…] a mãe de Jesus estava presente” (Jo 2,1). Ela é protótipo, figura da Igreja. Neste sentido, peçamos-lhe a maternal intercessão para que, como almas amantes, a Igreja também corresponda ao amor de Deus por nosso esforço pessoal de não desagradá-Lo, de sermos-Lhe a Sua alegria, permitindo ao nosso coração esta relação íntima de amor com Ele, nosso Amado.


Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Mosqueiro (Aracaju).

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