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A festa da reconciliação



A Quaresma, convidando-nos à reconciliação com Deus, faz-nos recordar o clamor da Igreja pelo Apóstolo São Paulo: “Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20).


Várias são as passagens bíblicas que embalam a atitude premente da conversão. A exemplo do gesto do Filho Pródigo (cf. Lc 15,11-32), vemos a idealização da nova e felizarda guinada que o voltar-se a Deus produz no coração do cristão, daquele que se deixa reconciliar com o Senhor.


O pecado é característico por oprimir-nos, por entristecer-nos. Num coração apartado de Deus, sentido de toda e qualquer existência, não há dignidade nem nobreza. Ao contrário: o pecado diminui-nos, ao que reconciliar-nos engradece-nos. A conversão e o arrependimento fazem-nos livres, suaviza-nos. Neste pensamento, recordo-me de outro trecho da Escritura: “Hoje tirei de cima de vós o opróbrio do Egito” (Js 5,9a). Com esta fala do próprio Deus, percebemos que o maior alívio do povo eleito da Antiga Aliança não foi, necessariamente, a saída do Egito sob a “mão poderosa de Deus” (cf. Sl 136,12), mas a chegada daqueles degredados à terra da promessa. Logo, a alegria cristã não está em, simplesmente, não pecar, mas naquela convicção de que, a cada passo palmilhado, a cada negativa à contravenção aos planos de Deus, a cada superação de tentação pela abertura do seu coração à graça divina, aproxima-se do Céu, do Paraíso, da verdadeira terra que corre leite e mel, da infinitude do Coração de Deus, que, ansioso, está a nos esperar, tal como figura o pai misericordioso da Parábola do Filho Pródigo.


Estar com Jesus, escutá-Lo, vê-Lo… senti-Lo, tal como os publicanos e pecadores (cf. Lc 15,1-3). Júbilo maior que este não há; júbilo como este, que será plenificado na eternidade. Para tanto, cabe-nos aquela atitude de conversão que se nos impera; atitude que é representada - e, aqui, insisto e insistirei mais na Parábola do Filho Pródigo - pelos pensamentos de cair em si (cf. Lc 15,17) e “Vou-me embora, vou voltar para o meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti” (Lc 15,18).


São Gregório de Nissa, ao comentar o raciocínio daquele outrora rebelde filho, agora humilhado pela desilusão da vida, comentará: “Não retornou à felicidade anterior até que, entrando em si, conheceu perfeitamente a própria desgraça e meditou nas palavras de arrependimento”. Entretanto, engana-se grandemente quem imagina que a iniciativa de conversão tem como nascedouro o coração humano. Não. Todo e qualquer movimento que damos em direção a Deus tem como origem o Coração misericordioso do próprio Senhor, que a todos deseja atrair, e que respeita a nossa resolução de arrependimento e de mudança de vida, já que nos concedeu a liberdade, não obstante a nossa responsabilidade diante deste livre dom que nos concedeu.


À primeira vista, parece-nos pela narrativa da parábola que foi o filho quem se levantou. Mas, subjaz a ideia de que todo o movimento de se levantar daquele arrependido provém da lembrança da sua experiência com o pai pródigo no amor. Prova-nos isto o fato de que bastou ao pai ver o filho ao longe e foi ao seu encontro, correndo e sentindo compaixão, abraçando-o e cobrindo-o de beijos; interrompendo até o discurso de confissão de faltas que o filho havia preparado e, talvez, vinha ao longo do caminho a ensaiar (cf. Lc 15,20ss). E Gregório de Nissa, mais uma vez, a ajudar-nos na reflexão: “A mera resolução de se confessar bastou para aplacar o pai, que então lhe saiu ao encontro”. Assim, vemos que já a partir da nossa primeira atitude interior de conversão, o Pai nos acolhe, ainda que não nos baste somente um medíocre arrependimento.


A alegria cristã é fruto de um coração reconciliado, perdoado por Deus. Quanto mais nos arrependemos dos nossos pecados, predispostos a chegarmos à celestial mansão que nos espera, mormente o nosso interior se rejubila porque se torna grato pelo perdão recebido. O filho conquistou a alegria porque se sentiu amado, acolhido, festejado pelo pai que, ainda mais do que ele, se alegrou. Se grande é a satisfação da alma que se volta para Deus, infinita é a alegria do Coração divino porque a Ele nos voltamos.


Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).

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