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A gratidão que rendemos


A fé, além de tantos outros frutos, produz a gratidão ao coração de quem crê.


Primeiramente, crer é perceber quem é Deus, inclusive contemplando as Suas obras admiráveis, enxergando-se também o fiel como homem, criado a imagem e semelhança divinas, redimido por este mesmo Deus, que lhe dignifica grandemente, tal como, absorto, confessa o salmista: “Quando contemplo o firmamento, obra de vossos dedos, a lua e as estrelas que lá fixastes: Que é o homem, digo-me então, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com eles? Entretanto, vós o fizestes quase igual aos anjos, de glória e honra o coroastes” (Sl 8, 4-6); ou mesmo o que diz a Igreja quando, admirada, reza: “Ó Deus, que admiravelmente criastes o ser humano e mais admiravelmente restabelecestes a sua dignidade, dai-nos participar da divindade do vosso Filho, que se dignou assumir a nossa humanidade” (Oração de Coleta na Solenidade do Natal do Senhor, Missa da Noite). Logo, fé é reconhecimento; fé gera gratidão.


Pensemos, ainda vasculhando a Sagrada Escritura, na história do restabelecimento da saúde do general sírio Naamã (cf. 2Rs 5,14-17), que deseja recompensar, gratificado, o profeta Eliseu, e como este se nega a receber qualquer benefício, porque sabe que a cura que aconteceu da lepra daquele oficial estrangeiro não foi obra sua, mas de Deus. E como Naamã pretende ser grato a Deus? Levando dois punhados da terra de Israel para a Síria, para, tendo-a diante de si, jamais se esquecesse da proeza realizada por Deus na sua saúde. “[…] teu servo já não oferecerá holocausto ou sacrifício a outros deuses, mas somente ao Senhor” (2Rs 5,17). Percebemos então que Naamã deseja ser grato pela fé. E a equação se torna sine qua non; ou seja: a fé gera um espírito grato que busca ter mais fé.


Uma fé agradecida é um olhar ao longe, fazendo-nos perceber que, mesmo diante das nossas necessidades, Deus nos entende mais do que a nós mesmos nos julgamos entender, e sempre nos concede mais do que ousamos pedir e esperar. Basta que vejamos como exemplo o desenrolar do do encontro de Jesus, que, rumando a Jerusalém, passando entre a Galileia e a Samaria, encontrou-se com dez leprosos. 


“Quando estava para entrar num povoado, dez leprosos vieram ao seu encontro. Pararam a distância e gritaram: ‘Jesus, mestre, tem compaixão de nós!” (Lc 17,12-13). Que tipo de compaixão esperavam? Logicamente que a cura da lepra. No imediatista coração humano, buscamos, por vezes, o que está mais perto, esquecendo-nos de que o essencial é o que deve se tornar finalidade. Não em raros momentos, pedimos isto ou aquilo, olvidando-nos de suplicar o bem sublime – porque eterno – da nossa salvação, pois a compaixão de Deus se dá quando nos concede o que é útil para que nos salvemos; pois a máxima compaixão de Deus pela criatura humana é fazer com que, tal como dissemos anteriormente, participemos de Sua divindade. Este plano de Deus, a salvação, é universal, é para todos.


Diante da cura coletiva dos dez curados, percebemos que apenas um retornou para agradecer: um samaritano. A admiração do Senhor diante daquele coração reconhecido também é uma censura para tantos que se arrogam em dizer “Tenho fé!”, mas que, na realidade, se creem, fazem-no por mera conveniência ou obrigação, não descobrindo a beleza do crer como correspondência agradável ao Senhor, que nos dá todos os bens: “Não foram dez os curados? E os outros nove onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?” (Lc 17,17-18). E da admiração à recompensa, à constatação da finalidade: “Tua fé te salvou!” (Lc 17,19). 


A fidelidade de Deus é irrevogável, é de sempre e perdura para sempre. Se, porventura, não nos salvarmos, o problema não estará em Deus, que Se mantém fiel mesmo quando das nossas ingratidões. E, assim como afirmou São Paulo, “se lhe somos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo” (2Tm 2,13), esta constância de Deus deve ser copiada pelos que temos fé e a anunciamos, ainda que nem sempre sejamos recompensados pelos homens proporcionalmente ao bem que lhes fazemos; sempre padecemos pela ingratidão de alguém. O que devemos fazer diante de tais cegueiras? Eis o conselho do Apóstolo: suportar, para que também, pela conversão, os que nos são desagradecidos “alcancem a salvação que está em Cristo Jesus, com a glória eterna” (2Tm 2,10). Dessa maneira, jamais paguemos o mal com o mal nem ofensa com ofensa, desdizendo a nossa fé.


A Eucaristia é ação de graças por excelência. Por ela, é que a Igreja se dirige, em canção de amor, ao Pai, prestando-Lhe a devida honra, a mesma dada pelo Cristo em Seu sacrifício na cruz. É a Esposa que, por meio do Sangue eloquente do Esposo, louva ao Pai, em sinal pleno de eterna gratidão. Pois, a Eucaristia ‘presta a Deus maior honra que todas as orações e penitência dos santos, todos os trabalhos dos apóstolos, todos os sofrimentos dos mártires, todo o amor dos serafins e mesmo da Mãe de Deus, porque todas as honras dos homens são de natureza finita, enquanto a honra que Deus recebe pelo Sacrifício Eucarístico é infinita, pois lhe é prestada por uma pessoa divina, o seu Filho’ (SAINT-OMER, Edward. in: A grandeza do Santo Sacrifício da Missa). 


Sejamos, pois, sempre conscientes de que, tendo algo para agradecer ao Pai, façamo-lo pelo Filho, o Eterno Oferente, que pelo seu Sacrifício, perpetuado no Sacramento Eucarístico, rende ao Criador a mais perfeita ação de graças, e, com Ele, sobe o agradecimento da Igreja pelos inúmeros benefícios recebidos. Este “obrigado” é mais efusivo do que o retorno feito pelo samaritano outrora leproso.


Padre Everson Fontes Fonseca,

Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru)




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