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A grave lição para a perfeição: a misericórdia



Quando lemos as bem-aventuranças, recapituladas por São Lucas do conteúdo do Sermão da Montanha feito pelo Senhor, temos: “Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Bem-aventurados, vós que agora tendes fome, porque sereis saciados! Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque havereis de rir! Bem-aventurados, sereis, quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do Homem!” (Lc 6,20-22). Assim, se quisermos viver a altura da vida de Cristo, e, portanto de cristãos, vivendo os aspectos do homem celeste, não há outro caminho senão os da Bem-Aventuranças.

Este programa de docilidade e de confiança na justiça de Deus, na Sua misericórdia, lembra-me o exemplo de Davi. Ele, não se deixando levar pela vingança ou qualquer outro sentimento que lhe estimulava à morte de Saul, seu rival, poupou-lhe a vida. Quando tudo conspirava contra Saul e a favor de Davi, este faz uma bela profissão de fé, crendo na justiça sempre certa do Senhor; justiça esta que contraria as nossas paixões selvagens: “O Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e fidelidade” (1Sm 26,23).

“Sede misericordiosos, como o também o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36), disse Jesus, culminando a exortação feita à nós para a vivência perene da caridade de Deus em nossas relações. E, assim, com esta ordem de Jesus como ponto nevrálgico do Sermão das Bem-Aventuranças, temos as lições teóricas do amor, do benfazer, do perdão, enfim da comiseração. E, por que digo lição teórica? Porque o exemplo, a prática, sobremaneiramente, a teremos com o Senhor da Cruz, que olha para os Seus algozes, e, neles, para todos nós que, com nossos muitos e graves pecados, machucamos o Seu Divino Coração e O levamos ao máximo Sacrifício. Neste intento dirá Jesus: “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34).

Ao ordenamento de Jesus para nós, inspirando-nos à misericórdia, temos o correlato apresentado por São Mateus. Enquanto São Lucas retrata a misericórdia como insígnia da vida da Graça, São Mateus escuta o aspecto da perfeição (cf. Mt 5,48). Ambas visões se complementam: o amor nos faz perfeitos, porque, quando amamos, nos parecemos mais com Deus, que é Amor (1Jo 4,16). Desta maneira, não existe caminho de perfeição que independa da atitude de amar, de ser misericordioso. É por isso que o Senhor Jesus recorda que o maior mandamento e o princípio de toda lei cristã está, justamente, no amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo (cf. Lc 10,27), só do amor “depende toda a Lei e os profetas” (Mt 7,12.22,40).

Ser homem celeste é uma proposta a ser vivida já aqui e agora, cuja plenitude está no Céu. Ser homem celeste é ter os mesmos sentimentos do Senhor, ainda que por fragilidade ou tentação diabólica não consigamos sempre tão boa ventura. Por nossa natureza inclinada ao mal nem sempre o conseguimos. Mas, tentar a santidade, a perfeição, as atitudes de misericórdia deve ser uma constante na vida cristã, seja na minha, seja na sua vida. Então, saíamos das características adâmicas (cujo nome inspira barro, lodo) e nos agarremos às elevadas, ao Cristo que, estendido na Cruz, ainda que no Seu silêncio, nos oferece, encarnado, o exemplo perfeitíssimo ensetado pelo Seu Evangelho.

Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Mosqueiro (Aracaju).

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