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A Igreja: sua vocação e missão



“Subindo numa das barcas, que era a de Simão…” (Lc 5,3). Inculquemos o significado deste gesto do Senhor, que, muito mais do que uma tática para, confortavelmente, falar às multidões, é uma realidade teológica, pois a barca de Simão é a Igreja de Cristo; a frágil barca de Simão, é de onde Deus Se comunica conosco; à barca de Simão somos atraídos e, simultaneamente, vocacionados e enviados.


O Senhor sobe a uma barca – a de Pedro – para dela não mais descer. E sendo a Igreja a barca, esta navega sobre as águas do mar do mundo. Santo Ambrósio, no século IV, fará uma interessante afirmação: “A Igreja é conduzida por Pedro no mar alto da disputa, para ver, de um lado, o Filho de Deus que ressurge, e do outro o Espírito Santo que se infunde” (In Luc. 4, 68-72). É bem verdade que no texto do Evangelho em questão (cf. Lc 5,1-11) não temos aquela conhecida cena em que, estando Jesus e os Seus discípulos no Mar da Galileia, na barca balançada pelas ondas, enquanto o Senhor dormia e os outros homens se alarmavam (cf. Mc 4,35-41). Entretanto, estamos diante do apontamento daquela mesma frágil embarcação que figura a Igreja, esta dotada de uma vocação, porque como afirmou o Papa São Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, “a Igreja existe para evangelizar” (n. 14).


Percebemos que, logo ao subir na barca agora desapropriada de Simão para ser Sua, o Cristo Senhor pede para que seja afastada da margem. No singrar das águas, Ele, majestosamente, senta-Se para ensinar a todos. Creio que aquela cena, em si mesma, era maravilhosa, pois a voz do Verbo ecoava, sendo trazida pelo vento, misturando a sua sonoridade com a calmaria das águas que, ondulando, tocam a terra firme, nela quebrando-se! Porém, muito mais bela é a realidade da Igreja no meio do mundo, existindo para “pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus, perpetuar o sacrifício de Cristo na Santa Missa, memorial de sua morte e sua gloriosa ressurreição” (Bento XVI. Ângelus, 24.10.2010). Sim, porque é a Igreja, é da Igreja e é pela Igreja que a voz do Redentor continua se espalhando por todo o mundo, até os seus confins.


Mas, na continuidade de seu relato, temos de São Lucas a seguinte descrição: “Quando acabou de falar, [Jesus] disse a Simão: ‘Avança para águas mais profundas e lançai as vossas redes’” (Lc 5,4). Isto para acenar que a Igreja continua aquela missão salvadora do Cristo, de tal maneira que, pelo seu chamado que se confunde (como mais tarde veremos) com a vocação de tantos e tantos, encarna como seu aquele que é papel, função e ânsia do próprio Senhor; pois a Igreja existe para salvar almas. Nesta missão que parte de Cristo e passa pela Igreja, entendemos também o nosso dever enquanto cristãos, cada um no seu estado de vida, diferentes uns dos outros. O Senhor não deseja que a Igreja fique ancorada nos estacionamentos das orlas do mundo; antes, quer que ela penetre ao largo, mais adentro, mais profundamente, ainda que o mundo deseje, por vezes, em relação a si e aparentemente, soçobrá-la por ser ela, por si mesma, frágil, porque tudo o que a Igreja é, toda a sua força é dom Daquele que a elegeu para ser Sua: a Igreja é barca de Cristo! Mas, é necessário avançar, e com a nossa ajuda, porque a missão da Igreja é também nossa.


Num primeiro momento, Simão não compreende bem esse pedido, como também não entendemos o que, em muitas ocasiões, o Senhor nos pede. Mas, obedece (cf. Lc 5,5). E quando a proeza da pesca abundante acontece como sinal da exigência que viria depois, Simão Pedro, de antemão, reconhece-se: “Senhor, afasta-se de mim porque sou um pecador!” (Lc 5,8). Pedro figura em si os medos que temos, as nossas inseguranças diante do chamado de Deus e da missão que nos espera. É por isso que São Lucas completa e precisa: “É que o espanto se apoderara de Simão e de todos os seus companheiros” (Lc 5,9). Pedro já não desconhece a divindade de Jesus, chama-Lhe ‘Senhor’. No entanto, sentia-se indigno e limitado diante daquela contemplação de Deus, da futura vocação que lhe aguardava; sentia-se indigno de ter sido escolhido por Deus para um milagre no interior de seu barco e de sua história; enfim, sentia-se indigno de ter sido eleito por Deus para a nobre missão que o Cristo Lhe descortinava com uma pedagogia peculiar: “Não tenhas medo! De hoje em diante, tu serás pescador de homens” (Lc 5,10).


A nau de Pedro: esta é a “barquinha” que, visitada, de uma vez para sempre, pelo Cristo, por Ele escolhida, anuncia a vida e a vitória pascal Daquele que a elegeu. A isto chamamos “querigma”. Nunca a Igreja se cansará em falar da maior proeza que o Senhor fez por si: a sua salvação. Não simplesmente como um ato de obrigação, mas de satisfação. “Transmiti-vos em primeiro lugar aquilo que eu mesmo tinha recebido, a saber: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado; que ao terceiro dia, ressuscitou, segundo as Escrituras” (1Cor 15,3-4). Este é o seu anúncio elementar! Estamos aqui para, com ela, proclamarmos tal mensagem de alegria e esperança para a promoção da fé no seio do mundo (cf. 1Cor 15,1-2.11).


Contemplando a vocação da Igreja, dos discípulos e dos cristãos, agucemos o nosso coração para sempre estarmos no interior desta “barca” com Jesus e com tantos irmãos, sem jamais aportarmo-nos do seu interior. E, no mundo, fazendo a nossa parte – defendendo-a, inclusive –, possamos fazê-la avançar para tantos recantos que devem ser visitados pela mensagem de Cristo, o Seu Evangelho, e que dependem de nós e do nosso testemunho para isto, a fim de que Jesus seja mais conhecido e amado, atraindo todos à Sua voz, ecoada pela Sua Igreja que singra a história, séculos a fora.


Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).

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