top of page

A prática da fé encarnada



Como viver de fé? Esta é uma pergunta que deve acompanhar a vida do cristão constantemente, de maneira que, nas sugestões da vida – as mais diversas e adversas – estejamos atentos a fazer a vontade de Deus e da aplicabilidade desta grande virtude, a fé, na praticidade do nosso cotidiano.


Reprisemos o conselho de São Paulo ao Bispo São Timóteo: “Tu que és um homem de Deus, foge das coisas pequenas, procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza e a mansidão” (1Tm 6,11). Sublinhemos os adjetivos que Paulo utiliza num recorte ainda mais estrito: homem de Deus; coisas pequenas.


Por homem de Deus, entendamos o desejo do Céu que Deus põe no nosso coração mediante o encontro com a Sua graça. Sim, pois o Céu é um dom, uma proposta estendida a nós como opção. Ser pessoa de Deus é, portanto, não somente viver de um exercício meramente piedoso, numa espiritualidade desencarnada da realidade em nosso derredor. Viver de fé é resplandecer a própria vida nas virtudes que manifestam os mesmos sentimentos de Deus, sintetizados em Sua eterna misericórdia; pôr amor e amar.


Mas, e as coisas pequenas? O que São Paulo deseja instruir-nos quando se utiliza deste qualitativo? Fugir das coisas pequenas é evadir-se de tudo o que é frívolo, banal, mesquinho, perverso. Isto quer dizer que tais atitudes vis são injustas, impiedosas, refletindo uma possível infidelidade, desamor, susceptibilidade às mais diversas tentações e fraquezas; e, por que não lembrar da soberba? Todos estes sentimentos pérfidos, desleais, são listados com a carência do pobre Lázaro e a insensibilidade do rico anônimo (que pode ser cada um de nós) – “Ele [Lázaro] queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico” (Lc 16,21).


Profunda é ainda a exortação do Apóstolo Paulo: “Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado” (1Tm 6,12). Não percamos de vista uma coisa: a vida eterna é uma luta – renhidíssima –, fruto de uma vigilância constante em meio às coisas temporais, para que não cedamos às tentações e tiremos de Deus a nossa total confiança. É para esta luta que somos chamados em meio a tantas seduções do presente, muitas delas que nos afastam de Deus, de tê-Lo como suficiente, como necessário.


Convido a que retornemos àquela que é a “sorte”, o destino dos soberbos, dos que estão cheios de si, figurados pelo rico da Parábola de Lázaro: “Quando o pobre morreu, os anjos levaram-no para junto de Abraão. Morreu também o rico e foi enterrado” (Lc 16,22). A recompensa de Lázaro faz justiça ao seu próprio nome, porque Deus o acolheu, o socorreu na eternidade, enquanto que na terra não tinha conforto algum, era desprezado por aqueles que se achavam grandes, poderosos, autossuficientes. Para o rico, cujo nome Jesus nem se dá o trabalho de revelar, está reservada a ignomínia, o viver eternamente sem a perspectiva, sem a visão de Deus: eis o grande tormento chamado inferno.


Diante dos suplícios infligidos ao rico, este clama a Abraão pelo socorro de Lázaro, que antes, na vida desta terra e na sua opulência, desconhecia o pobre. São Gregório Magno, mediante este dado, chama-nos a atenção: "Vós, irmãos, conhecendo a felicidade de Lázaro e a pena do rico, […] fazei com que os pobres sejam vossos advogados no dia do juízo. Tendes agora muitos Lázaros; estão diante das vossas portas e precisam mendigar todos os dias do que cai das vossas mesas depois de vos saciardes” (Homilia 40, 3 s.10).


Façamos o firme propósito de escutar e praticar a Palavra de Deus em toda a sua inteireza como caminho diferente ao proposto pelo maligno para o inferno. E, como observa ainda o Papa São Gregório Magno: “As palavras do livro sagrado devem nos dispor a observar os preceitos da piedade. Se procurarmos, todos os dias, encontraremos um Lázaro; todos os dias, mesmo sem procurá-lo, veremos um Lázaro” (Ibidem). Isto, na prática, é viver de fé.

Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Mosqueiro.

bottom of page