A produção da fé

A fé é um assunto bastante recorrente nas Sagradas Escrituras. E, dentre tantas passagens, como nos esquecermos do profundo conceito dado pela Carta aos Hebreus: “fundamento daquilo que ainda se espera e prova de realidades que não se veem” (Hb 11,1)? Ou mesmo, recordemo-nos da resposta do Senhor ao profeta Habacuc: “O justo viverá por sua fé” (Hab 2,4). Com estas mesmas palavras, São Paulo anima os gálatas (Gl 3,11). Mas, sabendo que a fé, o que ela produz em nós?
Antes de tecermos acerca do que esta virtude teologal gera em nós, creio que seja necessário inseri-lo, estimado leitor, no contexto histórico em que Habacuc estabelece, como instrumento de Deus, a sua profecia. Num dos mais conturbados períodos da história de Israel, em meados do século VII a.C., diante da iminente invasão dos babilônios. Juntamente com todo o povo, Habacuc se vê perturbado, e, no ápice de sua angústia, indaga: “Senhor, até quando clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti: 'Violência!', sem me socorreres? Por que me fazes ver iniquidades quando tu mesmo vês a maldade? [E constata:] Destruições e prepotência estão à minha frente; reina a discussão, surge a discórdia” (Hab 1,2-3). Olhando bem a crise de fé de Habacuc, ela parece refletir o grito desesperado que, por vezes, surge no nosso coração, como produto da nossa descrença. Por vezes ainda, mesmo não duvidando, diretamente, da existência de Deus (sabendo que, de fato, Ele existe), corremos o risco, por culpa nossa, de pensarmos que o Senhor seja indiferente à situação em que vivemos. Fraquejamos… Não somos capazes de reconhecer a fidelidade do agir divino porque nos cegamos pela falta de fé. Logo, já abrindo a nossa reflexão sobre o que a fé produz em nós, podemos ver, mediante uma relação estreita entre duas virtudes teologais, que a fé gera a esperança. Nesta relação, diz-nos também o Catecismo da Igreja Católica que a fé deve “ser carregada pela esperança” (CIC 162).
Na produção da fé com a esperança, percebemos que ela é força. Se a fé é uma virtude que anda a pari passu com a esperança, ela dá, constantemente, ao coração do fiel um vigor renovado e sempre mais desdobrado, “pois Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e sobriedade” (2Tm 1,7). E, sendo a fé uma concessão, um gratuito dom divino (CIC 162), na prática, faz com que não nos sintamos constrangidos por tantos sentimentos que turvam o nosso testemunho de Cristo, principalmente diante dos sofrimentos. Por quê? Porque somos fortificados pelo poder de Deus. Assim, ter fé é desvencilhar-se de sua própria couraça – que é frágil – para vestir-se da armadura do Senhor (cf. Ef 6,11.13); porque, estando neste mundo em constante batalha, o agir do cristão deve ser amparado por Deus.
“Guarda o precioso depósito com a ajuda do Espírito Santo, que habita em nós” (2Tm 1,14). A fé, como um dom, é um dom precioso. E nesta preciosidade deve ser guardado. Não para escondê-la, mas para cultivá-la. E o mesmo Deus que, em Seu Espírito Santo, no-la concedeu fará com que seja aumentada. Mas, qual é o “lugar” no qual Deus suscita e faz crescer este dom? No coração humano, onde, pelo conteúdo de fé da Igreja, o fiel coloca-se como servo, abandonando-se à vontade do Senhor, avassalando-se pela obediência, pois a fé suscita a obediência. Esse “patrimônio sagrado da fé (depositum fidei), contido na Sagrada Tradição e na Sagrada Escritura, foi confiado pelos Apóstolos à Igreja” (CIC 84). Patrimônio acrescido, unicamente, na vida da Santa Igreja Católica, pelo anúncio que ela faz do Cristo, Palavra de Deus, contido nas Escrituras Sagradas e na Tradição Apostólica, elucidadas pela interpretação e explicação que ela, a única autorizada a fazê-lo, realiza pelo Magistério; e pela vida desta mesma Igreja, a partir dos sacramentos. Na experiência com Cristo na Sua Igreja, cresce a fé, mas, em simultâneo, devemos implorar que seja derramado em nós, profusamente, este dom, tal como suplicaram os apóstolos ao Senhor: “Aumenta a nossa fé!” (Lc 17,5).
A sede do crer deve ser saciada em Cristo, e, num mistério de amor, deve fazer com que desejemos estancá-la Nele ainda mais. O cristão é chamado a ser um dessedentado e, simultaneamente, sedento de Cristo. Assim se, analogamente, a nossa fé é menor que um grão de mostarda (cf. Mt 17,20; Lc 17,6), façamos com que cresça. Porém, não nos conformemos se ela tiver tal dimensão. Isso é sinal de que o cristão é constantemente desafiado por uma meta; alta, mas alcançável, porque esta metáfora de Jesus deve inspirar-nos a que busquemos, sempre mais receber, cultivar e distribuir o dom da fé. Isto é viver pela fé, rumo à salvação, prêmio dos que creem.
Padre Everson Fontes Fonseca,
Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru)