A riqueza produzida pela sabedoria

Existe relação entre sabedoria e riqueza? Caso positivo, como se complementam esses dois conceitos?
Primeiramente, vejamos no que consiste a verdadeira riqueza. Ao lado do Evangelho do homem rico, apresentado a nós por São Marcos (cf. Mc 10,17-30), temos a constatação de que não adianta ter um coração que se diz religioso, observante dos mandamentos, se lhe falta a caridade. Assim, somos convidados a que, ao lado dos demais preceitos da Lei, pratiquemos o amor como concretização em nós daquilo que é querido por Jesus e elevado à categoria de “supra-mandamento” juntamente com o amor de Deus: “Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito. Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás teu próximo como a ti mesmo. Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas” (Mt 22,37-40). A verdadeira riqueza, portanto, consiste em esvaziar-se pela atitude de amar naquela mesma experiência de Jesus, exposta pelos escritos de São Paulo: “Vós conheceis a bondade de nosso Senhor Jesus Cristo. Sendo rico, se fez pobre por vós, a fim de vos enriquecer por sua pobreza” (2Cor 8,9). O amor é a verdadeira riqueza, pois os pobres, nas suas mais diversas indigências espirituais e materiais, receber-nos-ão nas moradas eternas se nos encarnarmos nas suas exigências existenciais (cf. Lc 16,10-31).
O que trata o amor como verdadeira riqueza produz em si a sabedoria. A sabedoria de Deus que vem em socorro do coração humano é geratriz de todos os dons para nós (cf. Sb 7,11), porque o amor a que somos chamados não tem como nascedouro a filantropia de uma vida sem Deus, mas tem como origem o próprio Ser divino, porque não somos chamados a amar conforme as nossas capacidades, mas na infinitude de Deus mesmo. Logo, o amor, como autêntica e inesgotável riqueza, é dom da sabedoria, que é Deus.
A sabedoria para amar como Deus é uma experiência interior onde o coração vai mais além do que a capacidade humana; penetra mais fundo e entende ou adivinha o que a razão não alcança, porque o amor supera o entendimento, o conhecimento. A sabedoria refere tudo a Deus, fazendo-nos saborear as coisas divinas já aqui, já agora. Aquele homem rico do Evangelho há pouco citado não estava no caminho de perfeição porque somente cumpria os mandamentos como meros e inanimados preceitos, e não vivificando-os no seu interior pelo amor àquilo que seguia. Aquele homem não era realmente livre porque o desamor tolhe a nossa liberdade, fazendo-nos miseravelmente pobres. Percebendo isso e não querendo mudar de rota, ouvindo de Jesus acerca da via da caridade, aquele interlocutor de Jesus vai embora abatido, cheio de tristeza (cf. Mc 10,22), ao ponto de Jesus precisar: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus! […] Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” (Mc 10,23.24). E entendamos ricos aqueles que se ensimesmam, não querendo aventurar-se na riqueza de amar.
Deus nos sacia com o Seu amor pela concessão de Sua sabedoria (cf. Sl 89,5). É um caminho único. Para ser sábio, para ser rico de fato, a experiência de se deixar “lapidar” pela experiência contrastante da nossa vida com a Palavra de Deus é necessária. Diante daquilo a que somos inspirados e instruídos pela Palavra, observamos o caminho do discernimento nas atitudes: como uma espada cortante e penetrante (cf. Hb 4,12-13), a Palavra ensina-nos a dividir, sem reservas, o que é de Deus daquilo que não o é, optando sempre pela primeira opção, pois, no confronto com a Palavra, “tudo está nu e descoberto” e é a Palavra, que é o próprio Deus, Sabedoria encarnada, a quem prestaremos contas, porque é Ele o justo juiz de todos.
Que, incomodados pela Palavra que nos orienta e salva, queiramos ser enriquecidos, abastecidos pelo amor que é Deus e que nos utiliza como instrumentos Seus para que outros sejam socorridos com a nossa atitude de, em tudo e sobretudo, viver a caridade.
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).