A sensibilidade de Deus nas lições de justiça

Ao largo dos evangelhos, temos belíssimas lições de como praticar a misericórdia, cujo nascedouro é o próprio Deus, aprendendo com Ele, em benefício dos irmãos e, por que não dizer também, nosso, para a nossa salvação.
“O Senhor é fiel para sempre, faz justiça aos que são oprimidos” (Sl 145,6). Sabendo que a justiça do Senhor é obra da fidelidade do Seu amor, de antemão, somos capazes de entender que a justiça é filha da caridade. E, por sua vez, a prática da justiça sintetiza o que a Igreja chama de obras de misericórdia, sejam elas corporais (dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, assistir aos enfermos, visitar os presos e enterrar os mortos) sejam as espirituais (dar bons conselhos, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os tristes, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo, rogar a Deus pelos vivos e defuntos).
A justiça é reflexo da sensibilidade do próprio Deus, que Se esconde nos pequenos, nos fracos e nos suscetíveis. Com esta nossa afirmação, podemos dizer no que consiste a injustiça: um reflexo da insensibilidade do coração dos homens; apatia que pode prejudicar ambiente e meios, tal como a sociedade e o mundo. A indiferença de coração é um asfixiar-se em si mesmo, aspirando o ar contaminado do egoísmo, gerador da soberba, da vaidade e da avareza, ao invés do respiro no puro hálito do amor de Deus, que nos vivifica.
A parábola do homem rico e de Lázaro (cf. Lc 16,19-31) elucida-nos sobre o dever da justiça como prática de misericórdia. Mergulhemos neste texto, e, antecipadamente, percebamos que somente o pobre possui um nome, Lázaro, cujo significado é “Deus ajudou, socorreu”, que é a sua real sorte. Aquele que foi objeto da ignorância do rico é reconhecido por Deus; quiçá, identificado pelo próprio Deus, que, nele, Se escondia. O rico, na realidade, é o anônimo, o desconhecido. Aqui, pensemos em três sinais: 1) o rico, que desconhecia Deus em Lázaro, torna-se ignorado pelo próprio Deus; 2) o rico é deixado sem nome propositalmente, porque, não raras vezes, agimos como ele; 3) para manifestar a diferença entre a lógica do mundo e a de Deus, que é perfeita: enquanto o mundo tende a homenagear os opulentos, os maiorais, os que ostentam e aparentam, Deus reconhece o pobre, o frágil, o débil.
Aquele homem rico fazia questão de desconhecer Lázaro quando da ascendência da sua arrogância, que lhe cegava o coração: “Havia um homem rico que se vestia com roupas finas e elegantes e fazia festas esplêndidas todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, estava no chão à porta do rico” (Lc 16,19-20). Entretanto, quando lhe conveio, ele não apenas identificou Lázaro triunfante na glória (cf. Lc 16,23), como queria invocar a sua ajuda: “Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque sofro muito nestas chamas” (Lc 16,24). Parece que isso da conveniência já é um mau costume antigo.
Lázaro obteve a sensibilidade do próprio Deus, assim como nós, quando éramos pobres pecadores. Como Lázaro, após o nosso resgate salvador e uma vivência segundo tão magnânimo favor divino, seremos premiados com a plenitude da justiça divina, que se dará na eternidade, quando triunfar em nós e no mundo, de uma vez para sempre, a misericórdia do Senhor. Porém, enquanto tal bem-aventurança não nos chega, membros da Igreja de Cristo, cabe-nos trabalhar pela justiça, anunciando-a com voz profética, desejosos por obtê-la pela promoção da caridade, para que, levando a luz da fé aos corações de toda a humanidade, todos se convertam ao amor e à justiça, que de tal virtude procede. Eis o nosso dever diante de tão grande lição!
Padre Everson Fontes Fonseca,
Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru)