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Ao padre Geovane Bomfim



A minh’alma suspira por vós, ó meu Deus (Sl 41).


Conheci o garoto Geovane Bomfim nos idos de 1980, nos encontros vocacionais, quando ele vinha, com outros colegas, de sua terra natal para o Seminário Menor, no Bairro Industrial. Já se revelava uma alma bondosa, pura, atormentada por um sincero e desafiante desejo de servir a Deus, na radicalidade de uma entrega total.


Tempos depois, ei-lo, no Seminário, desbravando novos aprendizados, com seu costumeiro ato de rezar o Terço de Nossa Senhora, quando todos já se tinham recolhido. Por vezes, ficava horas a fio, na capela, em agradável companhia de Jesus Eucarístico. Era incompreendido pela autoridade que o conclamava ao repouso. Ele, meio atormentado, sob a ameaça de poder deixar a casa de formação, respondia: “A minh’alma suspira por vós, ó meu Deus”! Ríamos dele, confesso, e, por vezes, o tínhamos na conta de uma pessoa meio desconcertada, dada a sua postura orante, como se estivesse a nos dizer: o tempo urge! Era assaz questionado sobre certa postura beata em demasia, mas ele nem se importava. E, sentindo-se incomodado, não demonstrava. Guardava, no silêncio sepulcral, suas indisposições.


No velho, querido e inesquecível Arqui, encontrou muitíssimas dificuldades. Um garoto da roça, cuja formação acadêmica não era de grandes qualidades, ter de enfrentar o colégio mais importante de Aracaju seria uma quase tortura. Veio, então, a brilhante ideia dos formadores de dispensá-lo daquele múnus, para que cursasse o chamado segundo grau em escola menos exigente. Ufa! Encerrou-se uma fase da tormenta... até que chegasse o curso de Filosofia, quando com mais habilidades, passou sem grandes problemas. Bem assim, a Teologia, na Capital, baiana, onde fez grandes amizades. Quantas amizades!


De volta a Aracaju, recebeu o presbiterato, em dezembro de 2001, numa festa belíssima concelebração, em que mais sete foram ordenados presbíteros. O padre Geovane se mostrou com o mesmo espirito de devoto de Nossa Senhora. Encaminhado à Comunidade de Carira, para ser vigário paroquial, mostrou-se zeloso, radical, austero, orante. Por vezes, temperamental, pelas agruras que a vida foi-lhe impondo e que ele aprendeu a guardar, bem ou mal, num coração cada vez mais irrequieto. Foi pastorear a Paróquia de Macambira, onde exerceu fecundo ministério, plantando ali muitas sementes, cujos frutos se veem por toda a parte.


Por tanto guardar “coisas novas e velhas”, no baú de um coração sofrido, insultado pelas vicissitudes existenciais, sobreveio-lhe a doença que o impediu de permanecer ali. Foi pastorear a Soledade, em Aracaju, onde viveu um misto de Calvário e Ressurreição, dando sinais visíveis de que não poderia mais estar à frente de um redil desafiador. Passou um tempo em tratamento de saúde, ofertando-se em libação, no altar que a vida lhe preparou. Tinha pressa... e isso o demonstrava ao conversar conosco. Atropelava as palavras, na ânsia de nos dizer: “serei breve”! Não o compreendíamos, em sua ânsia... nunca somos preparados para lidar “fora da caixa”, fora das linhas que a lógica do comodismo nos impõe... perdão, Geo!


Veio para a Catedral, onde se sentiu novamente padre, liturgo, confessor, pregador, pastor. Ali, embora na condição de coadjuvante, estampava um quê de felicidade, por se sentir servo, às vezes dono; gostava de organizar, de demonstrar o seu gosto, sua ideia. A saúde... melhor, a falta de saúde – própria de muitos consagrados, pela amargura de uma solidão tremenda, ou pela falta de “chão” firme, fê-lo diminuir-se a cada instante. De certos meses para cá, dava evidências de que não teria muito tempo. Tinha pressa, mesmo não reunindo condições físicas para correr. Um conflito interno: a necessidade da pressa versus a força de a empreender. A récita do rosário, arma de alto quilate, o segurava, em suas manhãs de reclusão, no sacrário inviolável da intimidade com Deus.


Neste mês, a cama hospitalar foi sua cruz, e os remédios, suas lanças afiadas que o avisavam do porquê da pressa, do conflito, do Rosário, da Adoração ao Santíssimo. Estava amadurecendo para o Reino... como um Cordeiro, entregou-se, de corpo e alma, ao altar do sacrifício, cônscio de que tentou a vida inteira dar o melhor de si, ofertar-se a Deus. Agora, é todo do Senhor que o motivou a existir em insalubres contextos. Finalmente, teve no Padre Peixoto, um ombro paciente, acolhedor, maduro, compreensivo, que o ajudou atravessar os últimos instantes, para, literalmente, entregar-se ao Pai, nos braços do sacerdote amigo.


Geo, o Céu o acolheu. Para você, Plenitude; para nós a imperiosa lição de aprendermos a lidar com o diferente, com o “outro”, de nos convertermos à solidariedade evangélica, à caridade fraterna, a uma postura de escuta atenta. Aliás, o que seria do anúncio – enfeitado de grandes retóricas, não fossem os ouvidos apurados. A minh’alma suspira por vós, ó meu Deus. Que nossa Alma Eclesial suspire por mais amor, aquele amor que você, a seu modo, tentou nos revelar e com o qual tanto amou a Igreja de Cristo. Que sua pressa nos ensine a não ter pressa ao ponto de escutar com o coração. Até breve, Geo!


Repouse em paz!


Jerônimo Peixoto é filósofo, teólogo, advogado e pós-graduado em Metodologia Didática do Ensino Superior. É autor do livro "Memórias de um Cajueiro" e cordelista. Possui ampla atuação no campo religioso e social e também como palestrante.




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