Arde o Fogo

Bastante presente na tradição cristã é o simbolismo do fogo para designar a ação do Espírito Santo em nós, Seus fiéis.
“Eu vim para lançar fogo sobre a terra e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49), disse Jesus. Sabemos que o atributo do fogo divino é relacionado à Terceira Pessoa da Trindade Santíssima. Observemos ainda que os interlocutores do Senhor nesta página de São Lucas são os discípulos. Esta frase do Senhor tem a ver com a Sua missão salvadora, consumada no mistério pascal de Sua Paixão, Morte e Ressurreição. E, como expressão desta realidade pascal, o Cristo nos envia o Seu Espírito, o Espírito do Pai.
“Eu vim para lançar fogo”. O Catecismo da Igreja Católica, na tratativa dos símbolos do Espírito Santo, diz-nos: “Enquanto a água significa o nascimento e a fecundidade da vida dada no Espírito Santo, o fogo simboliza a energia transformadora dos atos do Espírito Santo. [E exemplifica:] O profeta Elias, que ‘surgiu como o fogo, e sua palavra queimava como uma tocha’ (Eclo 48,1), atrai, por sua oração, o fogo do céu sobre o sacrifício do monte Carmelo (cf. 1Rs 18,38-39), figura do fogo do Espírito Santo que transforma o que toca. João Batista, que caminha diante do Senhor ‘com o espírito e o poder de Elias’ (Lc 1,17), anuncia o Cristo como aquele que ‘batizará com o Espírito Santo e com fogo’ (Lc 3,16), esse Espírito do qual Jesus dirá: ‘Fogo eu vim lançar sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso!’ (Lc 12,49). Sob a forma de línguas ‘que se diriam de fogo’ o Espírito Santo pousa sobre os discípulos na manhã de Pentecostes e os enche de si (cf. At 2,3-4). A tradição espiritual manterá este simbolismo do fogo como um dos mais expressivos da ação do Espírito Santo. [E conclui o Catecismo com um imperativo paulino:] ‘Não apagueis o Espírito’ (1Ts 5,19)” (n. 696).
Por estas palavras, podemos pensar que, assim como, na lei da Física, três são os elementos do fogo – combustível, comburente e calor -, analogamente, o Espírito Santo produz isto no coração daqueles que se abrem à Sua ação. O combustível espiritual é a alma do homem, que queima na experiência de amor com o Fogo celestial, que é o comburente, o que nos inflama, o Espírito de Deus. É neste contato comprometedor que se gera uma reação, o calor, que aquece, transforma, que modela e ilumina.
A ânsia de Jesus, dirigindo-Se aos Seus discípulos (no número dos quais estamos inclusos), é que isto que Ele veio produzir em nós, já tivesse iniciado, porque nos é benfazejo: “[…] e como gostaria que já estivesse aceso!”. Mas, por que deste desejo de Jesus? Porque toda esta “combustão de amor” no coração dos homens é uma das manifestações do amor eterno de Deus por nós. E esta ansiedade está ligada, íntima e diretamente, à Páscoa de Jesus, como efeito. Daí, é que se lê imediatamente: “Devo receber um batismo e como estou ansioso até que isso se cumpra” (Lc 12,50).
O forte desejo de Jesus em ver-nos inflamados, ao que em simultâneo nos fala do amor divino, pela exigência, também nos impulsiona. Pondo-nos nas bifurcações do mundo, para, de maneira providente e livre, escolhermos o Senhor, o fogo do Espírito também nos purifica para ajudar-nos neste discernimento salutar. Este fogo espiritual que crepita em nosso interior nos desinstala, nos desassossega: “Vós pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer divisão” (Lc 12,51). E, assim, podemos dizer: o Espírito do Senhor nos constrange; mas, com Ele, não ficamos desiludidos; antes, fortifica-nos, encoraja-nos. E ainda que todos nos abandonem ou se afastem de nós, Ele, na Sua fidelidade eterna, que Lhe é peculiar, está sempre conosco.
O Espírito Santo faz-nos autênticos, sinceros. Vendo a saga de tantos profetas e justos, de tantos santos, percebemos que, os que se deixam guiar por Ele, que falam em Seu nome, não compactuam com a mentira nem se interessam em agradar aos homens, desagradando a Deus. Para os que são honestos não falta o consolo de Deus pelo Espírito: “Não tenhais medo dos que matam o corpo” (Mt 10,28).
Ardorosos pelo fogo que é o Espírito Santo, permitamos que Ele nos inspire a que, tendo os olhos da fé fixos em Jesus (cf. Hb 12,2), nos dissuadamos em achar que existe algum tipo de futuro promissor no pecado, que nos pesa e oprime, desejando abocanhar-nos, e sejamos, com a nossa vida, agradáveis ao Pai.
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).