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As consequências do profetismo



Quando tomamos a leitura do infame processo sofrido por Nosso Senhor diante do Sumo Sacerdote, do Sinédrio, de Pilatos e do povo, admira-nos a resolução pétrea do Seu Coração divino em, corajosamente, redimir a humanidade. Palavras e silêncios… atitudes sempre acertadas: eis o que percebemos. Prontidão desconcertante aos seus acusadores, que ficaram confundidos, baratinados pela hombridade Daquele que veio como Deus e homem perfeito. Tudo isto confirma o que, séculos antes, escutamos da profecia de Jeremias, e que acena para as consequências de um profetismo autêntico, sem meias-palavras, exemplificado, primeiramente, por Jesus, fonte e motivo de todo anúncio: “Vamos, põe a roupa e o cinto, levanta-te e comunica-lhes tudo o que eu te mandar dizer; não tenhas medo, senão eu te farei tremer na presença deles” (Jr 1,17).


Diante do imperativo da coragem que, em Cristo, recai sobre nós, temos, Daquele que nos é também a força, mais do que uma observação, quiçá uma promessa, já que começa por um juramento: “Em verdade eu vos digo nenhum profeta é bem recebido em sua pátria” (Lc 4,24). Aqui, concentram-se tantas e tantas incompreensões que os que seguem o Senhor recebem (quem sabe até dos seus superiores eclesiásticos ou dos irmãos que lhes rodeiam). Jesus, em sua Nazaré, não foi bem recebido, foi destratado… E São Marcos, narrando esta mesma passagem, sinteticamente, precisará que Jesus “Não pôde fazer ali milagre algum” (Mc 6,5) por causa do fechamento do coração de seus patrícios, que enxergavam apenas um aspecto da vida de Jesus: a sua filiação humana (cf. Lc 4,22). Nós também, quantas vezes somos julgados apenas por um aspecto da nossa vida (talvez já até purificado por um processo de arrependimento e de conversão)? Ou mesmo: quanto somos perseguidos por desejarmos viver as virtudes queridas pelo Senhor e ensinadas pela sã doutrina? Não nos olvidemos do que disse o próprio Cristo no Sermão da Montanha, encerrando o rol das bem-aventuranças felicitações: “Felizes sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos ultrajarem, e quando repelirem o vosso nome como infame por causa do Filho do Homem! Alegrai-vos naquele dia e exultai, porque grande é o vosso galardão no céu” (Lc 6,22-23); ou mesmo o ânimo que nos injeta quando diz: “Digo-vos a vós, meus amigos: não tenhais medo daqueles que matam o corpo e depois disto nada mais podem fazer. Mostrar-vos-ei a quem deveis temer: temei àquele que, depois de matar, tem poder de lançar no inferno; sim, eu vo-lo digo: temei a este” (Lc 12,4-5).


“Vamos, põe a roupa e o cinto, levanta-te!”: estas palavras, estampadas na profecia de Jeremias, encarnam-se no Senhor, que, revestido de nossa humanidade, ensinou-nos a vigilância e a prontidão, e, rumando ao Calvário, anunciou o amor de Deus pelo gênero humano, salvando-o. “Vamos, põe a roupa e o cinto, levanta-te!”: esta ordem designa a inconformidade com a pretensa estabilidade que o banal deseja nos incutir falsamente. “Vamos, põe a roupa e o cinto, levanta-te!”: esta resolução é dada a nós que, como São Pedro, maduros na fé, estenderemos as mãos da nossa vontade com um olhar sobrenatural, cingir-nos-ão e levar-nos-ão para onde não quereríamos se não confiássemos sem reservas em Deus, e assim, tanto na morte quanto na vida, haveremos de agradar ao Senhor por uma vida de entrega e de seguimento (cf. Jo 21,18-19). “Vamos, põe a roupa e o cinto, levanta-te!”: eis ao que nos dispõe o Senhor.


À conclusão do Evangelho em que vai à Sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4,21-30), temos a brava atitude de Jesus, que, furiosamente, é levado, expulso, para fora da cidade, e é conduzido até o alto do monte sobre o qual estava construída a cidade, a fim de lançarem-No precipício abaixo. Diante de tal ameaça, o que faz? Desvencilha-Se daqueles que buscam assassiná-lo, e prossegue o Seu caminho. Quanta determinação! Tudo isto por amor. O amor como caminho incomparavelmente superior dentre os dons mais elevados, e que devemos aspirar. Um amor que, tal como "cantou" São Paulo (cf. 1Cor 12,31-13,13), é paciente, que não se ensoberbece, não se encoleriza, não se alegra com a iniquidade, mas se regozija com a verdade. Suporta tudo, crê tudo, espera tudo, desculpa tudo; que resistirá ao término das profecias, das línguas e da ciência, porque esse amor que nos faz seguir adiante em meio às provações é Deus, que nos compromete total e inconsequentemente.


Na consciência do nosso profetismo cristão, cuidemos para não cairmos na ilusão dos aplausos do mundo. Percebemos como os nazarenos vão, na narração de Lucas, da admiração a Cristo a um sentimento totalmente oposto; como da mesma forma agiram os beneficiados pela multiplicação dos pães no Evangelho de João, quando Jesus faz o longo e profundo discurso sobre o Pão da Vida (cf. Jo 6,14.). O mundo é hipócrita, dir-nos-á Jesus (cf. Lc 12,1). Logo, tenhamos precaução com as aprovações mundanas ou mesmo com um anúncio e testemunho “politicamente correto” do Evangelho: “Seja o vosso sim, sim; o vosso não, não. Porque o que passa disso vem do maligno” (Mt 5,37).


Não afrouxemos a vida cristã; antes, sejamos homens honestos com a nossa fé, padecendo, se necessário for, as consequências árduas do profetismo de Cristo que se nos impõe pelo Batismo recebido, pois “o servo não é maior do que o seu Senhor, nem o enviado é maior do que aquele que o enviou” (Jo 13,16).


Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus, Grageru.

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