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Bondade e beleza


Quando abrimos a Sagrada Escritura, deparamo-nos, logo no primeiro capítulo do livro do Gênesis, por algumas vezes, com a expressão “E Deus viu que era bom”, sempre relacionado às Suas criaturas, obras de Suas mãos, tal como um artista que contempla a sua arte. O termo bondade também passa ao Novo Testamento. Em especial no discurso do Bom Pastor, Nosso Senhor utiliza-Se do adjetivo “bom”, do grego “kalós”, que pode, sem prejuízo algum, ser traduzido por “belo”, não simplesmente num realce estético, mas, antes, num sentido moral de radical ontológico, porque Deus é bom (cf. Lc 18,19). Mas, o que a harmonia entre bondade e beleza, expressa por “kalós” tem haver com a preocupação das nossas comunidades cristãs em embelezar, com o que há de mais nobre, a “Casa de Deus”?


Primeiramente, em sentido teológico, a Casa de Deus é Aquele em quem “habita corporalmente a plenitude da divindade” (Cl 2,9), Jesus Cristo, em cujo Corpo Místico nos reúne como membros (cf. 1Cor 12,12-30; Cl 1,18; Jo 15,1-11). N’Ele, todos nós, pela dignidade conferida pelo Santo Batismo, somos habitação divina (cf. 1Cor 3,16; Hb 3,6). Somente em Cristo e por nós, para reunir-nos em Seu nome, é que os nossos templos devem ser entendidos como morada de Deus.


Engana-se, porém, quem crê que os nossos templos católicos não mereçam respeito e decência. Veja: se o Senhor Se inflamou contra os cambistas e mercadores que profanavam o templo judaico (cf. Mt 21,12-17; Lc 19,45-46; Jo 2,13-22), o quanto não será ofendido quando o edifício sagrado, que resguarda os Seus divinos Corpo e Sangue, onde são distribuídos os mistérios do Seu divino amor (tal como se configuram os Sacramentos), lugar onde somos congregados com Ele, é desrespeitado, desmazelado? O Padre Vitório Gardumi, em seu breve livro “Estética da Missa”, dirá: “Uma Igreja de tijolos é a casa das almas em desterro que se reúnem ao redor de seu Salvador”.


Sim, a beleza evangeliza porque fala de Deus. O Ser Divino transmite-Se pelo belo, falando de Sua perfeição. Este raciocínio é a quarta das cinco vias utilizadas por Santo Tomás de Aquino que provam a existência de Deus. O grande Papa Bento XVI, no último retiro que participou no seu pontificado, quis relacionar beleza e verdade: “A verdade é bela e a verdade e a beleza caminham a par: a beleza é o selo da verdade”; ou ainda: “A fé é alegria, e por isso cria beleza” (Audiência Geral de 21.05.2008); e sobre a arquitetura sacra, completa: [as igrejas] “não são monumentos medievais, mas casas de vida, onde nos sentimos ‘em casa’: encontramo-nos com Deus e encontramo-nos uns com os outros” (Ibidem).


Creio que a intenção das nossas comunidades cristãs (por mais humildes que sejam), que se esmeram em embelezar os nossos templos é, não outra, mas a glória de Deus. E, pela expressão da arte, desejam grafar o Evangelho no coração humano, levando-nos à contemplação de um Deus que nos deseja apaixonar por Sua bondade, por Sua beleza. Assim fazendo, não apenas estamos adornando pedras, edifícios, como também o coração humano para que, dignificado, seja lar do Espírito de Cristo, a Pedra fundamental e angular da Igreja, Seu Corpo, Pedra honrosa aos olhos de Deus, que nos convoca para o serviço divino, associando-nos a Si (cf. 1Pd 2,5).


Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da paróquia Nossa Senhora da Conceição (Mosqueiro, Aracaju)

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