Cristo, Luz e Vítima

No dia dois de fevereiro, próxima terça-feira, quarenta dias após a grande Solenidade do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja recordará a Sua apresentação e a purificação do parto virginal de Maria Santíssima. Assim, Filho e Mãe de Deus cumprem os preceitos da Lei de Moisés, que dizia: "Consagra-me todo o primogênito, todo o primeiro parto entre os filhos de Israel, tanto de homens como de animais, porque todas as coisas são minhas. [...] Quando o Senhor te houver introduzido na terra dos cananeus e a tiver dado a ti, conforme te jurou e a teus pais, consagrarás ao Senhor todos os primogênitos desde o ventre materno e também as primeiras crias do teu gado; consagrarás ao Senhor tudo o que tiveres do sexo masculino" (Ex 3,2.11-12). Aproveito para, de antemão, refletir com o meu estimado leitor o sentido do dia litúrgico que celebraremos.
É interessantemente o mistério que circunda a apresentação do Senhor-Menino. E quando digo interessantemente, não pensemos em insustentável. Explico-me em tal caracterização: Cristo, que é Deus com o Pai e o Espírito Santo, é apresentado ao Pai no Espírito Santo; O que vive e reina na Trindade de sempre e para sempre, é apresentado pelo intento humano (como era a Lei judaica e os seus ritos) ao Pai que O enviou. Igualmente misteriosa é a Santíssima Virgem, isenta de todo e qualquer pecado a partir de sua Conceição Imaculada, puríssima na verdade, ser purificada para que a justiça se cumprisse. Que mistério luminoso!
E, falando em luz, a ideia deste elemento é bastante presente: Cristo é chamado de luz para iluminar as nações e para a glória do povo de Israel (cf. Lc 2,32) pelo velho Simeão. Neste sentido, tratando o Cristo como luz, que, durante a nossa vida, ilumina-nos para o fulgor do Seu Céu, São Sofrônio, em um dos seus sermões, dirá: "Realmente, a luz veio ao mundo (cf. Jo 1,9) e dispersou as sombras que o cobriam; o sol que nasce do alto nos visitou (cf. Lc 1,78) e iluminou os que jaziam nas trevas. […] Por isso caminhamos com lâmpadas nas mãos, por isso acorremos trazendo as luzes, não apenas simbolizando que a luz já brilhou para nós, mas também para anunciar o esplendor maior que dela nos virá no futuro".
Entretanto, quero tratar nesta ocasião para outro fato: o pequenino Jesus, ao ser trasladado pela Virgem Maria e por São José ao templo de Jerusalém, põe fim às figuras da religião dos judeus, inaugurando em Si mesmo a nova e única Igreja, da qual é Cabeça (o sentido, portanto), encerrando os efeitos dos sacrifícios e de todo o culto judaico, na entrega de Si ao Pai, na força do Espírito Divino, quando de Sua cruz redentora. Com isto, temos o sentido a belíssima profecia de Malaquias: "[...] chegará ao seu templo o Dominador, que tentais encontrar, e o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; e quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, quando ele aparecer?" (Ml 3,1b-2b).
José leva ao Templo de Jerusalém um par de rolinhas, significando devoção de sua casa à Lei de Moisés. É a oferenda dos que eram pobres em detrimento dos ricos que ofereciam cordeiros (cf. Ex 13,13). Porém, até nisto vemos um forte significado: por mais valiosa que custasse uma oferenda nenhuma delas alcançaria o valor infinitamente inestimável Daquele que é o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, que, no mistério de Sua infância, vemos nos braços da Virgem Puríssima. Por isso, o Santo Bispo Afonso de Ligório medita: "Nunca sacrifício algum foi tão agradável a Deus como o que então Lhe fez Seu querido Filho, desde Menino já vítima e sacerdote. Se todos os homens e todos os anjos tivessem sacrificado a vida, a sua oferta certamente não seria tão agradável a Deus, como foi a de Jesus Cristo. Porquanto, naquela única oferta, o Pai Eterno recebeu uma glória infinita e uma infinita satisfação". Ouso completar Santo Afonso: uma entrega ao Pai iniciada ali, no Templo de Jerusalém, e consumada no Calvário, na mesma Jerusalém, para soerguimento e queda de muitos, como sinal de contradição (cf. Lc 2,34)
Não obstante a nossa vida passada de pecados, sempre devemos oferecer-nos como sacrifício agradável a Deus, para a Sua honra e glória. "Por Cristo, com Cristo e em Cristo…", como dizemos no grande ofertório de cada Santa Missa, ao término da Prece Eucarística, ofereçamo-nos ao Pai, no Espírito Santo. Tomemos como modelo de entrega a Virgem Puríssima, cujo coração foi profetizado ferido por uma espada de dor (cf. Lc 2,35). Ela, a Corredentora, muito nos tem a ensinar. Como nós, Maria não entendia muita coisa de sua vida. Apenas, entregava-se e meditava os fatos em seu coração, nas firmes virtudes da fé que não vacilava, da esperança que jamais a decepcionava e do amor que a sustentava. Aprendamos, pois, da Virgem oferente a apresentar-nos com o Seu Filho, do altar da nossa vida ao Altar da Sua Cruz!
Padre Everson Fontes Fonseca, Presbítero da Arquidiocese de Aracaju