Curados e gratos

Eis o convite do Apóstolo São Paulo à comunidade de Tessalônica: “Em tudo dai graças, pois esta é a vontade de Deus para convosco em Cristo Jesus” (1Ts 5,18).
Agradecer, ser grato a Deus é uma atitude conatural à nossa existência, porque tudo o que somos e temos provém Dele, sem mérito algum da nossa parte; tudo, absolutamente, é fruto de Sua misericórdia, de Sua bondade, de Sua gratuidade. “O Senhor não nos trata como exigem nossas faltas, e nem nos pune em proporção às nossas culpas” (Sl 102, 10); ou, ainda: “O Senhor fez conhecer a salvação, e às nações, sua justiça; recordou o seu amor sempre fiel pela casa de Israel” (Sl 97,2-3b). Por ser fiel, por ser justo Consigo, com a Sua fidelidade, é que recebemos de Deus tudo.
No Antigo Testamento, temos o grande reconhecimento de Naamã, chefe do exército arameu, que, antes à sua cura milagrosa no Jordão, havia pensado que o profeta Eliseu estava a zombar de si ou mesmo a desfazer-se de sua “ilustre” pessoa: “Eu pensava que ele viria em pessoa, e, diante de mim, invocaria o Senhor, seu Deus, poria a mão no lugar infetado e me curaria da lepra. Porventura os rios de Damasco, o Abana e o Farfar, não são melhores que todas as águas de Israel? Não me poderia eu lavar neles e ficar limpo?” (2Rs 5,11-12). Logo, vemos um largo passo na fé: de um mero interessado na cura de sua lepra, e, portanto, um restabelecimento simplesmente corporal, à uma cura no interior, causada pela fé. “Assim – como nos comenta Bento XVI – também Naamã volta a procurar o profeta e, reconhecendo nele o mediador de Deus, professa a fé do único Senhor” (Homilia, 10.10.2010).
Esta fé num único Deus é, ainda, expressada pelo pedido inusitado daquele general: “Permite que teu servo leve daqui a terra que dois jumentos podem carregar. Pois teu servo já não oferecerá holocausto ou sacrifício a outros deuses, mas somente ao Senhor” (2Rs 5,17). Qual o significado deste quinhão pedido por Naamã? Figura a Igreja, “lugar” da adoração do único Deus verdadeiro; “espaço” onde Ele nos cura a partir de dentro; numa sanação iniciada pelo Santo Batismo, onde fomos mergulhados com Cristo, morrendo com Ele nas águas, e somos regenerados, de maneira que nos assemelhamos a criancinhas e somos purificados (cf. 2Rs 5,14). E com o Batismo, os sete mergulhos fazem referência a todos os Sacramentos da Igreja. São eles que nos trazem a salvação de Cristo; os sacramentos que são irrestritos para os que desejam abraçar a fé.
Mas, o que precisamos curar em nós? Quais são as nossas lepras? E trazendo, em mais uma vez, as reflexões de Bento XVI, encontramos a resposta, localizamos o nosso mal: “Na realidade, a lepra que deturpa realmente o homem e a sociedade é o pecado; são o orgulho e o egoísmo que geram no espírito humano a indiferença, ódio e violência. Esta lepra do espírito, que desfigura o rosto da humanidade, só Deus, que é amor, pode curar. Abrindo o coração a Deus, a pessoa que se converte é curada interiormente do mal” (Ângelus, 14.10.2007).
Busquemos a nossa salvação, muito mais do que a saúde do nosso corpo. Esta é a resposta mais grata que damos a tudo o que Deus, no Seu amor fiel, nos concede.
Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Mosqueiro