Do medo à glória e vice-versa

Antigamente, quando um Papa era coroado com a tiara papal, sendo-lhe recordada a sua jurisdição de “pai de príncipes e reis, pastor de toda a terra e vigário de Jesus Cristo, nosso Salvador”, em sequência, diante do novo Sumo Pontífice, apresentava-se um monge que, simploriamente vestido com uma roupa surrada, por três vezes, queimava aos seus pés uma mecha de estopa, recordando-lhe: “Santo Padre, assim passa a glória do mundo!”.
Com a subsequente passagem a da multiplicação dos pães, deparamo-nos, na narrativa de São João, com o desfecho que houve no anoitecer daquele dia no qual as multidões, por conveniência, queriam coroar Jesus rei: “Vendo o sinal que ele fizera, aqueles homens exclamavam: ‘Esse é o verdadeiro profeta que deve vir ao mundo!’. Jesus, porém, sabendo que viriam buscá-lo para fazê-lo rei, refugiou-se de novo, sozinho na montanha” (Jo 6,14-15). É com este contexto que São Mateus, na sua narrativa sobre o que aconteceu na madrugada seguinte, inicia a descrição da passagem do afundamento de Pedro.
Após o milagre da multiplicação dos pães, imaginemos como os discípulos estavam maravilhados (ou, quem sabe, atordoados) com tudo o que presenciaram. Eles, partindo felizes, portavam as sobras dos pães para a viagem como prova indubitável do prodígio que assistiram, meditando aquele sinal. Porém, o vento fez-se contrário à navegação (cf. Mt 14,24). Será que somente contrário era o vento como fenômeno natural ou outros ventos se faziam adversos? Mas, que outros ventos? Muitas vezes, sentimos ventanias contrárias ao nosso ser cristão, que tentam virar (ou mesmo fechar) as páginas do Evangelho no nosso coração. Situações prejudiciais à integridade da nossa fé em Cristo Jesus... Será que os discípulos não estavam também aturdidos com a efervescência das multidões que queriam fazer de Jesus rei e deles, consequentemente, ministros conforme os critérios temporais, mundanos?
Jesus também ruma ao contrário dos ventos. Este é o Seu projeto para nós. Ele vem ao encontro dos discípulos, porém é confundido com um fantasma, um espectro, uma ilusão, uma inconsistência, um absurdo. Isto é o que produz o vento da glória do mundo no coração humano. Entretanto, tranquiliza-nos o Senhor: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,26). Com tais palavras, o Senhor nos diz: “Avante! Eu Sou Deus. A minha lógica é contrária, mas a única certa para irdes da incerteza ao ‘seguro’. Não temais! Sou a vossa garantia”.
Entretanto, como Pedro, duvidamos, treplicamos: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água” (Mt 14,28). Conhecemos Jesus, mas Lhe duvidamos a presença. Com a condicional “se”, Pedro exige um demonstrativo empírico, uma prova: ir contra o “vento”, lançando-se na inconsistência da vida (figurada pelo mar), caminhando, erguidamente confiante pela fé. O Senhor permite isso a Pedro, que o pedia pelo excesso de medo. Só que o trilhar contrariamente aos ventos sobre a fragilidade do mundo é plano de Deus para todos nós. Assim, Jesus diz a Pedro: “Vem!” (Mt 14,29).
Pedro desfoca o olhar do Senhor, e cai; caímos. Grita, gritamos: “Senhor, salva-me! (Mt 14,30). O segredo para enfrentarmos os ventos e a fluidez do mundo é olhar para Jesus, confiando Nele. E, resgatando-o, diz-lhe o Cristo: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (Mt 14,31).
Como resposta à indagação de Jesus, o vento cessou e a fé se reacendeu no coração daqueles homens tíbios, que professavam: “Tu és verdadeiramente o Filho de Deus” (Mt 14,33). Pela fé, Deus responde a inquietação humana em meio aos seus turbilhoes de pensamentos e ressentimentos. Devemos, como Elias, mesmo cansados, amedrontados e desanimados por causa de tantas perseguições e dos “ventos contrários” – quiçá, nos momentos em que também murmuramos: “Agora basta, Senhor! Retira-me a vida” (1Rs 19,4) – como lenitivo, como consolação, contemplar e sentir a glória de Deus, discreta, serena, refrescante, pacífica, reconfortante, que oxigenará a nossa fé e que nos animará até o fim de nossa vida, porque, dali em diante, não duvidamos jamais.
Estejamos atentos porque o Senhor, certa e discretamente, está conosco. Manifesta-Se, não na euforia ou no turbilhão (embora, não Se ausente de estar junto a nós), mas no silêncio de uma fé orante, discernida e segura em Deus.
Padre Everson Fontes Fonseca, vigário paroquial da Paróquia São João Batista (Conj. João Alves) .