Espiritualizados pelo amor

Sempre devemos ter diante de nós um desafio que nos é inerente à vida cristã: o da perfeição, na perspectiva de atingir a condição Daquele é Deus, fonte de toda beleza, e verdadeiro homem, íntegro na nossa natureza: Cristo. É para isso que, neste mundo, em tudo o que fazemos, deveremos esforçar-nos, superando a mundanidade de uma vida instintivamente apegada às coisas e às realidades temporais; de uma existência irresponsável e insensível.
Ao imperativo de alçarmo-nos, com a ajuda da graça divina aliada à nossa vontade, à altura de Cristo, devemos nutrir em nós os Seus próprios sentimentos. Sentir ‘com’ e ‘como’ Cristo prescinde de atitudes sempre novas, abalizadas pela Palavra de Deus; exige-nos a que vivamos a caridade numa dimensão sempre radical, e, portanto, profunda e exigente, chegando até a um total aniquilamento do nosso ‘eu’, para que a Pessoa de Cristo seja e aja em nós: “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles que vos caluniam” (Lc 6,27-28). Tal ordenamento se insere na realidade das bem-aventuranças. E mais: a prática do amor deve caracterizar os cristãos no mundo, tão enxertado de demonstrativos de desamor, de vingança, de desunião, de vaidades, de atitudes egoístas…, porque, como, mais tarde, na noite da Sua despedida, na Última Ceia, disse Jesus, seríamos reconhecidos pelo amor (cf. Jo 13,35), distinguindo-nos dos pagãos, para que, em todas as nossas atitudes, resplandeça a caridade de Cristo que nos constrange, que nos impulsiona (cf. 2Cor 5,12).
Para chegarmos à condição do espírito vivificante como é chamado o segundo Adão, e, portanto, Cristo (cf. 1Cor 15,46), devemos ser homens espirituais, que transcendem o imediato, pois, como nos ordena o Apóstolo Paulo, “Tudo o que fazeis, fazei-o na caridade” (1Cor 16,14). Perseguindo, para obtê-los, os caracteres do homem espiritual, copiaremos a misericórdia divina, e o nosso coração será canal para a eterna e infindável fonte do amor de Deus, por meio do qual, todo o bem é suscitado. Sim, pois, na Trindade é chamado amor o Espírito Santo. Se Lhe somos dóceis, Ele aperfeiçoar-nos-á, porque agiremos conforme as Suas inspirações, levando a bom termo a nossa condição de seres espirituais já neste mundo em que, por ora, estamos. Estaremos a obedecer ao “sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36); pois, como apresenta São Mateus na sua versão desta mesma ordem, misericórdia e perfeição são sinonímias (cf. Mt 5,48); ou ainda São Paulo: “[…] acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição” (Cl 3,14).
Amar faz produzir em nosso interior asas para que cheguemos ao Céu. Porém, ao mesmo tempo em que nos faz subir, o amor nos deixa com os pés fincados neste mundo, a percebermos tudo o que nos rodeia a fim de, atentos, não desperdiçarmos as diversas oportunidades de praticá-lo. E mais: impulsionados e constrangidos para amar mais e melhor, abatendo o nosso coração, sacrificando-nos pela caridade, seremos, para Deus, oferendas de agradável odor, irmanando-nos a Cristo e, imitando o Seu exemplo de sacrifício (cf. Ef 5,2).
Conhecidíssima é a afirmativa de São João da Cruz: “No entardecer da nossa vida, seremos julgados pelo amor”, pois, “com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos” (Lc 6,38). Seremos vistos por Deus pela nossa capacidade posta em prática de amá-Lo em Sua própria Pessoa divina, na verticalidade da nossa fé, e na pessoa do nosso semelhante, do nosso próximo, na dimensão horizontal do nosso ato de crer com as boas obras que lhe dão credibilidade. E não somente julgados e vistos, como também seremos coroados por Cristo com o Seu amor; Ele que nos acolherá no Seu trono de glória por toda a eternidade, sendo-Lhe nós, pelo amor, indissociáveis.
Ser amados por Deus na infinitude do Seu Ser: este será o nosso trunfo indizível, regaço no qual saberemos, inequivocamente: “Valeu a pena o meu viver de amor; e, no amor, praticar a perfeição dos sentimentos divinos!”.
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru)