Hospedar para ser hóspede

Qual a nossa capacidade de acolhimento a Deus, porque sabemos que Ele não cessa de vir a nós?
Vejamos, num primeiro momento, na misteriosa manifestação do Senhor a Abraão (cf. Gn 18,1-10a), o exemplo de acolhimento que o nosso "Pai na fé" oferece a Deus, que vai ao seu encontro. Primeiramente, creio que seja necessário situar-nos no contexto desta passagem. Ao passar por Abraão que estava junto ao carvalho de Mambré, nos três homens (pelo número, indicativo das Pessoas Trinitárias), o Senhor ia destruir Sodoma e Gomorra por causa dos pecados daquelas cidades. Abraão somente saberá dos planos divinos posteriormente (cf. …). Mas, diante daquela visita ilustre, o Patriarca não duvida que é o próprio Deus. Daí é que o vocativo dispensado àqueles três homens não foi outro: "Meu Senhor, - e continua - se ganhei tua amizade, peço-te que não prossigas viagem sem parar junto a mim, teu servo" (Gn 18,3). Diante da identificação e do pedido de Abraão, reconhecendo que o Senhor nos vem para que O acolhamos, indaguemo-nos: por que o Senhor vem a nós, instantemente a Se propor, de maneira máxima, vindo a nós de forma sacramental pela Eucaristia, para que comunguemos da Sua vida? A resposta não é outra: porque nos ama. Não merecemos esta constante visita de Deus; Ele nos vem por Sua misericórdia, porque, como disse Abraão, ganhamos a Sua amizade.
O que Abraão ofereceu? O melhor que tinha: a mais fina farinha, o melhor bezerro tenro do seu numeroso rebanho, coalhada e leite (cf. Gn 18,6-8). E nós, diante de Deus que, insistentemente, bate à porta do nosso coração, o que Lhe apresentamos? Será que Lhe servimos com o que temos de melhor? O melhor que temos é o nosso ser, ainda que ferido e manchado pelos males que praticamos. Repito: o nosso ser é o melhor que temos. Que o entreguemos a Deus sem reservas!
Abraão serviu a Deus com aqueles nutrimentos porque, antes, servia-O cordial e inteiramente, tal como percebemos quando de sua confiança nos mais diversos momentos da sua história, e, principalmente, quando este obediente serviço não nega a Deus sequer o seu único filho, Isaac (cf. Gn 22,1-18). Abraão serviu Deus também com o que preparou. Enquanto, misteriosamente, via Deus comer, ficou de pé como um serviçal diante do seu Senhor. E a ele, que não negou nada a Deus, foi dada uma promessa: a de um rebento, tal como sempre ansiou.
Se Abraão serviu Deus, também somos chamados, por este mesmo Deus, a servi-Lo, abrindo a porta da nossa vida, acolhendo-O, dando-Lhe o nosso melhor - tal como já disse. Mas, nesta recepção, também Deus nos serve. Servindo-nos, cria intimidade conosco, num intercâmbio: damos o nosso ser a Deus e Ele Se nos dá, dando-nos a Sua vida para que a vivamos em nós. Esta é a nossa recompensa; e isto já começa aqui, neste mundo, mormente pela Eucaristia, onde não apenas ficamos a olhar Deus a Se servir, mas onde somos alimentados por Ele, servidos por Ele, com os Seus próprios Corpo e Sangue que nos concedem a Sua divindade. Uma recompensa incomensurável iniciada aqui, e plenificada na eternidade, na mansão gloriosa do Senhor, quando, após a nossa tenda de peregrinos, for desarmada, porque não peregrinaremos mais, porque encerrada foi a nossa jornada. "Senhor, quem morará em vossa casa?" (Sl 14,1a). Generoso é o Senhor por dar tal prêmio aos que, nesta travessia chamada vida, O acolhem.
Num segundo momento, contemplemos outro acolhimento contido nas Sagradas Escrituras: o das irmãs de Betânia, Marta e Maria (cf. Lc 10,38-42). Ali, Jesus encontrava guarida, aconchego. São Lucas apresenta-nos Jesus em viagem, subindo para Jerusalém. Sabemos o que lá iria fazer: salvar-nos. Este motivo contrasta-se com aquele de Deus, passando por Abraão, ir a Sodoma e Gomorra. Mas, trata-se de um só e mesmo Deus, que deseja extirpar o pecado do mundo. O Senhor, resoluto na Sua ascensão à cruz, passava por aquele povoado, hospedando-se na casa de Lázaro. Marta e Maria, cada uma a seu modo, desejavam acolher o Senhor: Marta entregava o seu trabalho, a sua atividade; Maria, o coração, tal como temos de Santo Agostinho o comentário: "Marta [...] ocupava-se dispondo e preparando tudo a fim de servir o Senhor; já Maria, sua irmã, preferiu ser por Ele alimentada" (De Verbo Domini, sermo 26). Marta foi reprovada por isso? Não. O que o Senhor censura naquela mulher senão o seu ativismo, que lhe fazia distender-se em várias direções?! O Senhor conta conosco para que O acolhamos com os meios materiais que dispomos, solidariamente, nas pessoas dos sofredores e necessitados, dos pobres, dos transeuntes, dos marginalizados… porque a caridade também se mede por isto, pela compaixão, procurando identificar-se com a própria carne aos que precisam ser acolhidos em nós, vendo nas suas tribulações o que faltou às de Cristo. Isto é serviço ao Senhor e à Sua Igreja (cf. Cl 1,24).
Precisamos cultivar em nosso domicílio interior as características de acolhimento das santas irmãs de Lázaro: que preparemos o banquete para Aquele de cuja presença Maria já desfrutava, zelando pelo Cristo, que Se esconde nos mínimos deste mundo, sem deixar de escutá-Lo. Como Igreja, não somos ONG's. Não fazemos filantropia, e sim caridade, porque o fim último de todo o bem que fazemos é o próprio Deus. Se assim procedermos, teremos toda a eternidade para, genuflexos diante do Senhor, preenchermos totalmente o nosso coração na Sua infindável presença. Porém, nunca nos esqueçamos de, mesmo atarantados - e quiçá, fadigados -, estar aos pés de Jesus, cuja presença a tudo significa, dá sentido à nossa vida, restaurando-a.
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru)