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Humildade e gratuidade: duas grandezas que se completam



No presente artigo contemplemos, no intento de copiarmo-las, duas grandezas presentes no Coração de Deus: a humildade e a gratuidade.


Longe de Nosso Senhor Se prestar a dar lições de etiqueta ou de cerimonial e protocolo, com as conveniências humanas típicas de uma polidez comportamental, oferece-Se a ajudar-nos a cultivar a humildade: “Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. […] quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. […] Porque quem se eleva será humilhado e quem se humilha será elevado” (Lc 14, 8.10.11).


Tratando deste tema, aponto-lhes ao menos três motivos para que o Senhor assim Se exprima: primeiro: o Cristo, pondo-Se como modelo e escola de humildade – “Tomai meu jugo sobre vós e aprendei de mim, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas” (Mt 11,29) –, ensina-nos o caminho da liberdade interior dentro do infinito oceano do Coração de Deus; segundo, seguindo o Cristo humilde e manso, conscientizamo-nos da nossa pequenez e de como precisamos de Deus, tal como uma criança que, não possuindo preocupações outras, apenas abandona-se nos braços de seus pais, e ali se sente protegido, mais forte: “Aquele que se fizer humilde como esta criança será maior no Reino dos céus” (Mt 18,4); terceiro: o Senhor nos catequiza para fazermos frente à falsa modéstia: uma hipocrisia na qual, revestidos de uma “fantasia” ou “máscara” de cristãos piedosos, caímos no fingimento e no orgulho de nos acharmos, presuntivamente, superiores aos outros – talvez mais santos –, quando, na realidade, nos afastamos de Deus e nos candidatamos ao inferno. Neste ponto, recordemo-nos da advertência feita pelo Senhor sobre os escribas e fariseus: “Guardai-vos dos escribas, que querem andar de roupas compridas e gostam das saudações nas praças públicas, das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos primeiros lugares dos banquetes; que devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Eles receberão castigo mais rigoroso" (Lc 20,46-47); ou ainda na parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18,10-14).


O termo humildade tem, por etimologia latina, humus, barro por sentido. Entretanto, hoje, trago-lhes um interessante conceito oferecido, incertamente por um autor antigo, imortalizado como pseudo Próspero de Aquitânia: “É uma virtude multiforme, bela nas suas expressões exteriores, mas muito mais brilhante e bela nos seus aspectos íntimos; onde nada é obscuro, túrbido, inquieto, pois: ‘É grande a paz daqueles que amam a lei de Deus, em seu caminho não encontram pedra de tropeço’ (Sl 118,165)” (Ad Demetriadem, 1). Ao que exorta: “Devendo falar da bendita humildade, descartamos todas as formas de desânimo que afligem as almas indolentes e inconstantes, e evitemos de dar glória de humildade às ações que humildes não são” (Ibidem).


A humildade, como adversa à soberba e ao interesse vil, coliga-se com a gratuidade. Por isso, disse-nos Jesus: “[…] quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. Então, tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos” (Lc 14,13-14). Sim, a gratuidade não espera gratidões, ao que nos faz encarar com amor e espírito de serviço as infidelidades e os desagradecimentos; se aplicada aos que se julgam nossos inimigos ou os que nos são antipáticos, auxilia-nos no perdão e na tolerância. Também na gratuidade (assim como em todas as virtudes), devemos aprender de Deus, que “faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos” (Mt 5,45). Isso é graça, sentido mais elevado da gratuidade divina.


Como filhas da caridade, a humildade e a gratuidade identificam-nos como cristãos, como imitadores de Jesus, que “sendo de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2,6-8). E tudo isso por amor! Condicionando-nos na obediência e fortificando-nos as provações, a humildade e a gratuidade nos desinstalam e nos expõem, fazendo-nos realmente livres, leves para ascendermos, de perfeição em perfeição, à exaltação do Céu, nossa meta de vida, fim para o qual fomos criados.


Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).

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