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No avanço...



Na meditação da ordem de Deus a Moisés, “Diga a esta geração: avance!” (Ex 14,15), temos uma das páginas mais exuberantes da Sagrada Escritura: a cena da travessia do Mar Vermelho. Assim, sejamos conscientes de que este imperativo de avançar muito se refere a muitas situações da vida e história humanas.


Até mesmo Jó, reconhecendo o sofrimento que, por vezes, nos assalta, reconhece, simultaneamente, que a vida do homem sobre a terra é uma luta (cf. Jó 7,1). Árdua e cotidianamente, lutamos para, com esta vida vivida na carne - utilizando-me do dizer de São Paulo (cf. Gl 2,20) -, correspondermos à vontade de Deus, esmerando-nos pela nossa santificação. E quando caímos, será que tudo está perdido? Não. Para quem tem fé, sempre há uma esperança. Os que têm fé nunca deixarão de escutar a ordem do próprio Deus de levantarmo-nos e avançarmos.


Neste exato momento, recordo-me da Parábola do Filho Pródigo. Quando, prostrado na real, humilhado, quasemente sem esperança, aquele que, em abandono ao Pai, pedindo-lhe a herança, e, portanto, a sua morte, diz consigo: “Levantar-me-ei, procurarei meu pai e lhe direi: ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho’ [...] Partiu, então, e foi ao encontro de seu pai” (Lc 15,18.20). Avançamos quando, reconhecendo-nos impossibilitados por nós mesmos, com as nossas reles forças humanas - o que incessantemente ocorre - gritamos por Deus, conscientes de nossa debilidade e da grandeza Dele. Jó assim o fez quando, deparando-se com o seu próprio sofrimento, recorre a Deus: “Lembra-te de que a minha vida é apenas um sopro e meus olhos não voltarão a ver [por si sós] a felicidade” (Jó 7,7). Logo, o caminho do avançar é ter fortemente presente a identidade de Deus e a nossa: o Ser divino em relação à Sua perfeição e misericórdia; a nossa identidade está em nossa miséria redimida por Cristo como uma ousada resposta à vocação à santidade que Ele nos faz. Como São Pedro que, afundando, após ter se apoiado na movediça areia do medo e da autoconfiança, implora: “Senhor, salva-me!” (Mt 14,30); ou como os discípulos de maneira geral: “Senhor, salva-nos, estamos perecendo!” (Mt 8,25), gritemos a Deus pelo nosso socorro. Esta atitude é sinal de avanço.


Estas páginas bíblicas ilustram-nos algo que, gravemente, ocorre em nossos dias: o descaso para com Deus. Este descaso torna-se como que o principal empecilho para que muitos avancem, mesmo com as suas debilidades, fraquezas, misérias. O atual Prefeito para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, o Cardeal Robert Sarah, vislumbrando a situação lamentável de indiferença para com Deus que o mundo está vivendo e pregando, denuncia: “O Ocidente vive como se Deus não existisse. As consequências aparecem de tal modo dramáticas. As populações ocidentais não vê mais em Jesus senão uma forma de ideia, e não um acontecimento. O homem não quer mais refletir sobre sua relação com Deus, porque ele entende tornar-se Deus. O indivíduo-rei, que aspira sempre mais a uma forma de autonomia e independência absoluta, tende para o esquecimento de Deus. No plano moral, essa busca da liberdade absoluta implica progressivamente uma rejeição de regras e princípios éticos. Deus é considerado como aquele que cria obstáculos para aprisionar nossa vontade, impondo-lhe leis; Deus se torna inimigo da autonomia e da liberdade” (Deus ou nada, pp. 213-214).


No relativismo, que marginaliza Deus ou o anula, temos tantos e tantos problemas de fé e moral que nos travam no processo de avançar: violência, drogas, depravações morais (o que incluímos a ideologia de gênero), aborto, eutanásia, corrupção, mentira, materialismo, pobreza, ideologias outras (comunismo, feminismo, consumismo…), contra-valores, enfim, tantas situações desafiadoras que só tem lugar no mundo porque Deus tem desaparecido do coração humano, que, infamemente, O expulsou. E, no vazio deixado no coração mediante a expulsão Daquele que deve ser o ‘'Divino Hóspede das almas”, ergue-se ‘Babel’, a confusão; ocupa o lugar do sumamente Santo e Fonte da santidade, o pecado. Em nome de uma pseudoliberdade, tornamo-nos escravos porque deixamos de lado o fato de, em Deus, sermos verdadeiramente livres, porque a verdade nos liberta (cf. Jo 8,32).


E para onde avançamos senão para o Céu, num processo que nos envolve com a misericórdia paciente e misteriosa do Senhor, que, não olhando os nossos erros e acertos, mas a nossa luta em sermos Dele, nos faz caminhar rumo à Pátria eterna? A verdadeira Terra Prometida espera-nos! E lá só chegam os que, corajosa e ousadamente, confiando na fidelidade de Deus, avançam.


Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Mosqueiro (Aracaju)

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