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Obedecer e amar: caminhos para o Reino



No Seu caminho evangelizador, Jesus deparou-Se com distintas pessoas dotadas de diversas intenções no coração. Percebemos, até mesmo nos grupos dos fariseus e mestres da Lei, indivíduos que, por ódio ao Senhor, interessadas somente em seus próprios e mesquinhos interesses, buscavam meios para incriminá-Lo (cf. Mt 22,34ss.; Lc 10,25-38; et alii). Encontramos, ainda, almas que, sedentas de salvação, buscavam as verdades eternas emanadas dos lábios do Salvador, e, por isso, acorriam com sinceridade de coração, prenhes de boas intenções. É o caso, por exemplo, do Mestre da Lei que, segundo São Marcos (cf. 12,28b-34), procurou o Cristo e Lhe indagou acerca do maior mandamento da Lei.


O Senhor, percebendo a retidão do homem, antes de felicitá-lo por este qualitativo, respondendo-lhe, recordou àquele coração inquieto por Deus, algo que já ele sabia; e, muito mais do que sabia, fazia de oração várias vezes ao dia (mais exatamente três, como reza um bom judeu): “Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força!” (Mc 12,29-30; Dt 6,4-5). Porém, no texto do Deuteronômio o imperativo “ouve” é acompanhado de um comparativo igualmente forte: “E trarás gravadas em teu coração todas estas palavras que hoje eu te ordeno” (Dt 6,6), como sério compromisso.


Aqui, referindo-me ao verbo ouvir, tão caro à cultura e a religião judaicas (e, porque não dizer, à vida cristã), trago, para a nossa reflexão, o termo obediência. Do latim ob-audire, 'para ouvir', percebemos que o seguimento para a felicidade plena, para a salvação, prescinde da escuta atenta à voz de Deus, que nos fala ‘por’ e ‘a partir’ da Sua Palavra, fonte de vida e de vida eterna. O ato da obediência não é uma escuta distraída e insignificante. No mundo atual, por exemplo, muitos são os ruídos percebidos ou não, dotados de significados ou não. Um velho professor que tive no curso de Filosofia, juntando à ciência filosófica com a sua arcana experiência de vida sempre repetia: “Só fica o que significa”. E, se a Palavra de Deus significa para nós, ela permanecerá em nosso coração, como que gravada, porque a acolheremos, “não como palavra de homens, mas como aquilo que realmente é, como palavra de Deus, que age eficazmente” (1Ts 2,13), “que chegou até vós, assim como toma incremento no mundo inteiro e produz frutos sempre mais abundantes” (Cl 1,6).


A Palavra de Deus, exposta para que a obedeçamos piamente, é como uma inequívoca bússola para que nos norteemos até o porto querido da eternidade plena em Deus. Nesta viagem a nós proposta, naturalmente, como recorda o Senhor, somos incitados a que amemos Deus com toda a nossa capacidade interior (que não é tacanha e nem pequena). Porém, pelo que escutamos de Jesus (cf. Mc 12,31), também nos é exigido um amor ao próximo. Assim, percebemos que obediência e amor andam juntos. Se a obediência não nasce do amor, não há liberdade. Mas, foi para “a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Portanto, devemos ouvir, comprometidamente, Deus, obedecendo-Lhe sem reservas, porque O amamos, por aquilo que Ele é em Si mesmo e em nós, ainda que obedecer nos seja um desafio proposto pelo nosso eu a ser vencido. Obedecer, amar a Deus e amar o próximo são realidades afins. Daí, São Josemaría Escrivá afirmar-nos: “O Senhor não nos oculta que a obediência rendida à vontade de Deus exige renúncia e entrega, porque o Amor (identificado por São Josemaría como o próprio Cristo) não pede direitos (cf. Fl 2,8): quer servir. […] – E continua: – Aprendamos a obedecer, aprendamos a servir. Não há maior fidalguia do que entregar-se voluntariamente para servir os outros” (É Cristo que passa, 19).


Diante da resposta do Shemá dada por Jesus à inquietação daquele homem que deseja esmerar-se na perfeição, honesta e inteligentemente, este exclama: “Muito bem, Mestre! Na verdade, é como disseste: ele é o único Deus e não existe outro além dele. Amá-lo de todo o coração, de toda a mente e com toda a força, e amar o próximo como a si mesmo, é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (Mc 12,32-33). Sim, porque “Deus não quer sacrifício nenhum contra a obediência”, como pontua São Francisco de Sales (O diretor espiritual das almas devotas e religiosas, p. 25). E Jesus, que conhece o coração de todos, revela-lhe: “Tu não estás longe do Reino de Deus” (Mc 12,34), para dizer-lhe que aquele homem reto já estava a fazer isto porque, sábia e religiosamente, conjugava a obediência à Lei ao amor. E isto é dotar a nossa atitude de fé de sentido verdadeiro, como a religião deve consistir na vida do fiel que deseja imitar Cristo obediente e servo por amor.


Vasculhemos o nosso coração, e vejamos se, pela audição comprometedora da Palavra e pelo amor, estamos vizinhos ou distantes do Reino. No infeliz caso de estarmos afastados do querido por Nosso Senhor, dissecados no coração por Sua Palavra (cf. Hb 4,12), nos bem-aventuremos à conversão, à mudança de vida, para podermos amar mais e servir melhor.


Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru)

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