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Optamos ser felizes



Diz-nos São Paulo, escrevendo a sua Primeira Carta aos Coríntios: “Se é para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, nós somos – de todos os homens – os mais dignos de compaixão” (1Cor 15,19). É interessante lermos tal passagem tendo ao seu lado as bem-aventuranças (Lc 6,17.20-26). Estas, como caminho de perfeição, é via para a felicidade. Não apenas para este mundo, para o secular, para uma consciência límpida diante de Deus e dos homens: antes é trilha para a alegria eterna.


Nada é realmente válido na vida e na espiritualidade cristãs se, antes, não buscarmos o caminho das bem-aventuranças, da feliz eternidade, da santidade. Deus tudo nos concede tendo em vista a sua utilidade como instrumento para a nossa salvação. Os que vivem para este mundo, os que possuem o seu olhar de fé e toda a sua vida presos às realidades de baixo, esquecem-se do Céu, nossa real e verdadeira morada, para onde rumamos, onde Deus será “tudo em todos” (1Cor 15,28). Se nos esquecemos do Céu, é porque não nutrimos a esperança; se não nutrimos a esperança é porque, de fato, não cremos no Cristo que, com a Sua Morte e Ressurreição, abriu-nos as portas da felicidade, da salvação. O cristão que se preza nunca – sequer um dia, um só instante – se esquecerá do Céu ou menosprezará este dom infindo; antes, gastará todas as suas forças, todas as suas energias, se empreenderá por conquistá-lo, pois, como afirmou, nas suas inocência e maturidade, São Domingos Sávio: “Se não conseguir a santidade, nada terei feito neste mundo”. E assim, daqui a um tempo – breve ou longo: só Deus sabe! –, se tivermos a oportunidade de olhar a nossa vida pelo retrovisor dos nossos anos (quiçá no leito de morte), percebermos que não pautamos os nossos dias, as nossas intenções, a nossa vontade, não nos gastamos inteiramente para corresponder ao plano divino da nossa felicidade celeste, chegaremos à certeza de que viver não nos valeu de nada, mas que perdemos a oportunidade valiosa de caminhar, ainda que com dramas e sofrimentos, com tropeços e quedas, até o Céu, que foi descortinado por Jesus para nós, com a Sua Páscoa redentora.


“Bem-aventurados vós… Ai de vós…”. Na versão do Sermão das Bem-Aventuranças apresentada por São Lucas, ineditamente, temos as duas faces de uma mesma moeda: daqueles que buscam corresponder à vontade de Deus pela prática das bem-aventuranças; e daqueles que fazem o contrário: o odiado por Deus. Por vezes, estamos no lado dos bem-aventurados; por vezes, escutamos, na nossa consciência iluminada pela Palavra de Deus, a censura divina e o lamento do Senhor: “Ai de vós…”. Este é o drama da nossa humanidade! São Paulo também sentiu isso: “Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita o bem, porque o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-lo. Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero” (Rm 7,18-19). Contudo, ao final dos nossos dias, no nosso julgamento particular, Deus, com a certeza da Sua misericórdia infinita, olhará a nossa vontade de seguir, consciente e à risca, o Seu desígnio de amor, manifestado em Sua santíssima vontade; ou seja, as vezes em que intentamos.


Outra característica que temos do Evangelho de São Lucas em comparação ao de São Mateus na apresentação do Sermão das Bem-Aventuranças: enquanto no Evangelho de Mateus Jesus sobe a montanha, senta-se e chama os Seus discípulos para próximos de Si (cf. Mt 5,1), no texto que acabamos de escutar, o Senhor desce da montanha e para num lugar plano; possivelmente, para dizer as Suas palavras, permanece de pé. Não se trata aqui de julgarmos qual a narrativa correta dos fatos. Isso pouco importa para a Teologia (e para nós, consequentemente)! Cada versão tem um enfoque diferente: se em Mateus, Jesus, sentado, no alto da montanha, fala, aqui temos uma atitude de maestria: Ele é o Mestre que fala com autoridade; se em Lucas, Ele é apresentado com gestos diversos, inclusive descendo da montanha, isso quer nos incutir o fato de que Jesus traz do Céu para o mundo as verdades eternas para que, com Ele, ascendamos ao Seu mesmo Céu; Ele, “a Palavra que se fez carne e habitou entre nós”, como nos diz São João, no prólogo do quarto Evangelho (cf. 1,14). Jesus, que desce do alto, que para, que fala para as multidões num lugar plano, é uma proposta de felicidade – a única e verdadeira – para todos. Não aceitá-lo é opção de infelicidade, de desgraça, de ruína.


Conscientes do que queremos, ansiosos pela salvação, porque esta nos foi oferecida por Cristo, com um altíssimo preço, ao que a buscamos, empreendamos todo o esforço da nossa vida para a felicidade, não a que nos é apresentada falsamente pelas distrações (algumas até pecaminosas) do mundo, mas para aquela para a qual vale a pena nos desgastarmos para possuí-la, tal como quem se arrisca para encontrar um tesouro, porque o Reino do Céus vale infinitamente mais do que qualquer bem precioso deste mundo que passa.


Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).

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