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Os ‘efeitos’ da Palavra de Deus



Às vezes, por linguagem corriqueira, quando pensamos na Palavra de Deus, imaginamos somente a Sagrada Escritura, que, no dizer do Catecismo da Igreja Católica, repetindo o Concílio Vaticano II, “é a Palavra de Deus enquanto redigida sob a moção do Espírito Santo” (CIC 81; DV 9). Entretanto, a Palavra é uma realidade além, que transcende à sua outra modalidade de transmissão, a Tradição Apostólica, que “transmite integralmente aos sucessores dos apóstolos a Palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos apóstolos para que, sob a luz do Espírito de Verdade, eles, por sua pregação, fielmente a conservem, exponham e difundam” (Ibidem).


Partamos, em mergulho de fé, para o radical mais profundo acerca da Palavra de Deus, que não é letras, pois, no dizer de São Paulo, “a letra mata, mas o Espírito vivifica” (2Cor 3,16); a Palavra divina é infinitamente mais, é uma Pessoa: Jesus Cristo, Deus, Palavra viva, atuante; é para Ele que devemos rumar. Neste sentido, já no começo do seu Evangelho, contemplando a Encarnação, o Evangelista São João afirma: “E o Verbo [a Palavra] se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1,14). Por meio desta Palavra eterna, tudo foi feito (cf. Jo 1,10). Pela compreensão desta “totalidade”, indicamos-lhe, caro leitor, outras propriedades da Palavra divina, que, distribuída em nossos corações qual sementes (cf. Mt 13,1-23; Mc 4,3-20.26-34; Lc 8,5-15), nos é luz, verdade e conversão.


A Palavra como luz é, em primeiro plano, contemplação Daquele que disse de Si: “Eu Sou a Luz do mundo. Aquele que me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). É neste mesmo deparar-se com a Palavra-Luz que entendemos quem somos e o nosso papel, pois o Senhor mesmo nos ordenou no Sermão das Bem-Aventuranças: “Brilhe a vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,17). Porque a Palavra (Jesus Cristo), que Se encarnou, iluminando a vida do cristão, faz com que sejamos no mundo centelhas da única Luz, fagulhas de Cristo.


A Palavra também é verdade porque Jesus disse de Si: “Eu Sou a Verdade” (Jo 14,6), referindo-se ao sentido que a nossa existência, em contato com o que é revelação do Alto, adquire. Esta mesma Verdade igualmente nos torna livres, já que o Senhor nos prometeu: “A verdade vos libertará” (Jo 8,32). Mas, que liberdade é esta? A de estarmos longe da opressão do maligno, do pecado, de suas amarras; uma liberdade que nos insere na eternidade de Deus. Pois o Céu outra realidade não é senão a da liberdade adquirida em Deus, na eterna profundidade de Seu mistério.


Como luz e verdade, a Palavra também visa converter-nos, corrigir-nos, naquela mesma perspectiva da Carta aos Hebreus, que diz: “[...] a Palavra de Deus é viva e eficaz, é mais penetrante como espada de dois gumes, e penetra até a divisão da alma e do espírito, e das juntas e medula, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4,12). Assim, quem obedece a Palavra, sendo o Seu ouvinte atento e praticante admirável, nunca erra na busca constante de lograr a santidade, pois a Palavra é caminho e vida (cf. Jo 14,6). Interessante ainda é a imagem da espada associada à Palavra pelo autor da Carta aos Hebreus. A espada, como sinal de defesa, de ataque - e, portanto, de violência -, faz-nos atentos para que nos defendamos das insídias de satanás, para, violentando o nosso coração, buscando extirpar os nossos erros pessoais, atacarmos o poderio do príncipe das trevas, porque o cristão que se corrige pela vida da Palavra, pela vida de Cristo, faz ruir o império do mal, já vencido, de uma vez por todas, pela Palavra que Se deixou crucificar e ressuscitou.


Que a vida da Palavra enviada por Deus, Jesus Cristo, reverbere em nós. Realizando a Sua vontade, não a esvaziemos nos seus efeitos, permitindo-nos levar à plenitude da graça divina. Amém.


Padre Everson Fontes Fonseca, vigário paroquial da Paróquia São João Batista (Conj. João Alves).

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