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Os milagres de Deus por Maria no cotidiano das existências


Quando pensamos nos tantos e tantos milagres feitos por Nossa Senhora na vida dos seus filhos, os cristãos, logo nos vem à mente uma manifestação extraordinária da graça divina ‘em’ e ‘por’ Maria, que parece fugir do cotidiano de nossas existências. Entretanto, desejo meditar com o caro leitor como o surpreendente de Deus passa, necessariamente, pelo cotidiano de nossas vidas, inclusive na existência da Virgem Santíssima.


Nenhum acontecimento extraordinário acompanhou o nascimento de Maria, e os Evangelhos nada dizem respeito desse fato. Talvez, a Menina Santa tenha nascido numa cidade da Galileia, provavelmente na própria Nazaré; e, naquele dia, nada se revelou aos homens. O mundo continuou a dar importância aos outros acontecimentos que, depois, seriam completamente apagados da face da terra, sem deixar o menor rastro. Com frequência, as coisas importantes para Deus passam desapercebidas aos olhos dos homens, que sempre procuram o extraordinário para enfrentarem a sua existência. Sabemos, porém, que só no Céu é que houve festa, e festa grande, porque, pela entrada de Maria ao mundo, entrava o canal por onde a Graça haveria de vir a nós: o seu ventre imaculado.


Depois, durante muitos anos, a Virgem passou inadvertida. Todo o povo de Israel esperava essa donzela anunciada na Escritura (cf. Gn 3,15; Is 7,14), e não sabia que ela já vivia entre os homens. Externamente, não se distinguia em nada das outras mulheres. Tinha vontade, queria, amava com uma intensidade que nos é difícil abarcar, com um amor que em todas as coisas se amoldava à vontade de Deus. Tinha entendimento para compreender os mistérios que ia descobrindo pouco a pouco, a perfeita relação que havia entre eles, as profecias que falavam do Redentor…; e entendimento para aprender a fiar ou costurar… E tinha memória – guardava as coisas no seu coração (cf. Lc 2,51) – e passava de umas recordações para outras, valia-se de referências concretas. Possuía ainda uma imaginação viva, que a fez ter uma vida cheia de iniciativas e de singela perspicácia para servir os outros e tornar-lhes a vida mais amável. Deus contemplava-a cheio de amor, ocupada nos pequenos afazeres de cada dia, e alegrava-se com imenso júbilo ao vê-la realizar essas tarefas desprovidas de relevo. Por trás de Nossa Senhora, existe toda uma história que se sucede até o seu Filho Jesus Cristo. Embora escolhida pelos Céus, não “caiu” de lá! Prova-nos isto o Evangelho que nos traz a genealogia de Jesus (cf Mt 1,1-16), com pessoas notáveis e vis. Entrementes, a espiritualidade da Virgem a diferenciava das demais criaturas; ela a mais primorosa obra de Deus.


A sua vida tão cheia de normalidade ensina-nos a agir de tal maneira que saibamos ocupar-nos nas nossas tarefas diárias sempre de olhos postos em Deus: que saibamos servir os outros sem alarde, sem fazer valer constantemente os nossos direitos ou os privilégios que nós mesmos nos arrogamos, que saibamos terminar bem o trabalho que temos entre mãos. É justamente no ordinário, no cotidiano de nossas ações justas e retas, que os milagres acontecem, porque é uma intervenção do extraordinário no peculiar de nossas existências.


Se imitarmos Nossa Senhora, aprenderemos a dar valor às pequenas coisas dos dias sempre iguais (e, por vezes, acinzentados pelo desânimo), a dar sentido sobrenatural às nossas ações, que talvez ninguém vê (apenas Deus, que sonda corações), por exemplo: serviços domésticos, o nosso trabalho (por mais que, aparentemente, seja simples e trivial), corrigir uns dados no computador, arrumar a cama de um doente, servir os pobres, procurar as referências precisas para dar bem uma aula que estamos preparando… enfim, a prática da honestidade, que sempre é de bom alvitre. Assim, sejamos portadores dos milagres de Deus por Maria. E não queiramos espetáculos de fé faustosos para constatarmos: “É milagre!”. É um conjunto de trivialidades que, vividas com amor, atraem a misericórdia divina e aumentam continuamente a graça santificante na alma. Maria é o exemplo perfeito desta entrega diária, “que consiste em fazer da nossa vida uma oferenda ao Senhor” (São João Paulo II, Discurso ao Congresso Mariano Internacional de Saragoça, 12.10.1979). Com isto não negamos, jamais, o dado dos fenômenos sobrenaturais no cotidiano, a manifestação do esplendor do poder de Deus por Maria no habitual das existências dos fiéis. Quero dizer: não busquemos os milagres pelos milagres. Cumpramos, sim, o que nos é cabido, e deixemos Deus, por Maria, realizar o restante.


Que os bons filhos da Mãe da vida discreta de Nazaré, de Belém e de Jerusalém, nos auxilie a que valorizemos os “pequenos-grandes” sinais concedidos por Deus à nossa existência, tendo-os na conta de vários milagres, de provas inequívocas de Seu amor por nós.


Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição (Mosqueiro, Aracaju).

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