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Perdão, recomeço e opção

“Ninguém te condenou? […] Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais” (Jo 8,10-11).



Alentadoras são estas palavras de Jesus à mulher adúltera, numa espécie de último apelo para que, abandonando o nosso passado de pecados e infidelidades contra Deus, passemos à graça, inclusive, para uma melhor celebração da Páscoa do Senhor.


Neste sentido, São Paulo é claríssimo em sua dinâmica, que serve para todos os tocados pelo perdão de Deus: “Esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para frente. Corro direto para a meta, rumo ao prêmio, que, do alto, Deus me chama a receber em Cristo Jesus” (Fl 3,13-14). Convocados à uma nova vida pela experiência “Cristo”, que nos renova pelo Seu perdão, superemos o grude, a viscosidade do pecado pela firme determinação da vivência de tempos novos na amizade com o Senhor.


No perdão de Deus, tudo se torna passado. E esta visão nos faz valorar as coisas e as situações de maneira diferente. Explico-me: o que é do Alto, de Deus, deve ser apreciado e acrescido em grande estima por nós; o que nos tornava escravos, alquebrados – a saber: o pecado e as suas realidades – deve ser tido em pouca conta, infimamente.


“Na verdade, considero tudo como perda diante da vantagem suprema que consiste em conhecer a Cristo Jesus, meu Senhor. Considero tudo como lixo, para ganhar Cristo e ser encontrado unido a ele” (Fl 3,8). Interessante é notar do original grego a maneira como o Apóstolo se refere à dimensão pecaminosa, tão exaltada e estimada por muitos. O que a tradução portuguesa chama lixo, Paulo escreveu o equivalente a esterco, fezes bestiais (σκύβαλα). E, pelo horror que causa ao coração de Deus e à dignidade humana, não seria exagero ir ainda mais longe: a realidade pecaminosa é mais asquerosa do que os excrementos referidos por São Paulo.


Entretanto, se a consciência por nossas inúmeras faltas pesa, não nos deve bater o desespero: o mesmo Senhor Jesus Cristo que ressignificou a vida da mulher adúltera, que concedeu novo sentido à vida de Paulo, dando-lhe o discernimento para uma nova hierarquia de valores em relação ao pecado e à graça, também vem em nosso socorro. E, neste caso, como é confortável para nós ouvirmos a absolvição que o Senhor dá à mulher: “Eu não te condeno” (cf. Jo 8,11). Este mesmo processo de remissão acontece quando, postos aos pés de Jesus de alguma maneira (seja jogados pela vida, seja atraídos pela misericórdia), sempre humilhados pelo grave peso dos nossos pecados, escutamos do Verbo eterno de Deus, palavras tão ternas, tão doces: “Eu te absolvo”. É justamente isto que acontece em cada celebração do Sacramento da Confissão. Sacramento temido, postergado, adiado por tantos, mas sempre doador de paz à alma.


“Podes ir, e de agora em diante não peques mais” (Jo 8,11). A experiência da Confissão é a do recomeço; é aquilo que São Paulo vai dizer de lançar-se para frente (cf. Fl 3,13); ou mesmo Deus, por meio de Isaías, apelando para a nossa sensibilidade: “Eis que farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis? Pois abrirei uma estrada no deserto e farei correr rios na terra seca” (Is 43,19). As imagens da estrada e da água corrente, trazidas pelo Profeta, figuram os efeitos da graça em nosso interior; graça que jorra do coração de Deus em misericórdia para o nosso, tão ansioso de Seu amor. O impulso para um recomeçar foi dado por Jesus à mulher e nos dá a partir de cada absolvição, principalmente quando Lhe juramos nunca mais pecar, tal como o fazemos no Ato de Contrição.


Confessar-se é valer-se de um grave defeito de Deus: o Seu esquecimento. Sim, Deus é deslembrado, e isto não Lhe faz limitado ou imperfeito. O que em nossa medíocre visão é uma falha, em Deus, é a nossa salvação. Pregando os Exercícios Espirituais para o Papa São João Paulo II e toda a Cúria Romana, o cardeal vietnamita, François Van Thuan, elencou, para a surpresa de todos e de forma conotativa, os “Cinco defeitos de Jesus”. Nesta feita, somente para tratar de como Deus é esquecido, detenho-me no primeiro destes “defeitos”. Diz o Cardeal, após valer-se de exemplos bíblicos, tais como o do Bom Ladrão (Lc 23,43), da pecadora que banha os pés do Cristo com lágrimas (Lc 7,47) e da parábola do filho pródigo (Lc 15,22-24): “A memória de Jesus não é igual à minha; ele não só perdoa, e perdoa a todos, mas esquece até mesmo que perdoou”.


Valhamo-nos do amor de Deus, que é lento na Sua ira e prestimoso no perdão (cf. Sl 103,8). Sanados pela Sua misericórdia, reiniciemos a nossa vida em Sua graça; isto é conversão. Rumemos aos confessionários! Ele nos aguarda para Se esquecer do muito mal que Lhe fizemos. Isto não é somente preparação para a Páscoa litúrgica, como também forte apresto para a eternidade.

Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Mosqueiro (Aracaju).

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