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Quando a tecnologia me roubou de mim?



Quero voltar no tempo. Sem desfazer do presente. Escrevo para fazer memória. Suspiro da Alma. Sem memória não vivemos. Não suspiramos. Lembro ainda da Telergipe, que depois se tornou Telemar. Depois Oi. Mundo Oi. Naquela altura não havia linha de telefone fixo no conjunto Fernando Collor, em nossa Senhora do Socorro, locus fontal, onde passei a minha adolescência e juventude.


Quero falar do orelhão que ficava na avenida Auxiliar I. Hoje, tem como ponto de referência o Colégio Didático. Na altura do ano 2000, mais ou menos, se fazia fila para conseguir uma chamada naquele orelhão. Quem amava não se preocupava em esperar. Amar é esperar. Saber esperar. O desejo de ouvir a voz de quem se amava era imperativo de suspiro. Amar é suspirar. O amor que você diz ter ou recebe te ajuda a respirar? Suspirar?


Chegada a hora de fazer a ligação para os amores, familiares distantes dava gosto. Amor se experimenta degustando. Amor não se devora. Amor se aprecia sem fazer o outro um objeto de consumo. Amor é consumação. Respiração. Acalma o coração. Não costumava cansar naquela espera. A fila do orelhão era enorme.


Qual medida para medir um Amor? Respirar. As noites de sábado e domingo eram os dias da espera paciente, às vezes impaciente, de quem tinha apenas alguns minutos para ouvir aquele que partiu sem partir. Marcas do coração. A ligação ajudava a respirar. E, por isso, tinha sentido esperar.


Passou o tempo. A tecnologia avançou. Impôs-se. Tudo ficou na palma da mão. Menos o Amor. No hoje das nuvens as pessoas vivem nas ‘nuvens’. Clicando, teclando, conectando... respirando? Num clique que enviamos seja numa mensagem, num e-mail, na rede social tudo tem que ser imediato. O imediato não cria raízes. Abafa, mata, não marca. Não significa. Não ensina a respirar. Queremos respostas imediatas, queremos até dizer quem o outro é, até julgamos porque ele não correspondeu à minha expectativa virtual. Ditadura do vazio. Era do vazio. O outro nem tem o direito de dizer (sem precisar dizer) o que estava fazendo. Já julgamos.


Paramos de respirar. Quero Ar. Deixe o outro respirar! Não alimente ódio, ajude o outro respirar. Só quem experimentou o silêncio do Amor e persistiu na ausência (permeada de presença) de uma resposta vai descobrir que no amor o que vale é o suspiro de plenitude de vida, silenciosamente.


Que a usurpação da tecnologia não nos roube de nós. E nem me faça dizer do outro aquilo que sou. De mim, permeado de silêncio, na ausência de resposta revestida de Amor.


Há quanto tempo você não liga para alguém sem exigir nada? Só um suspiro de Amor...


Vosso Pe. Anderson Gomes, pároco da paróquia São Pedro Pescador (Bairro Industrial, Aracaju).


Foto: Januário Costa.

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