Quando eu pensei a Igreja como uma "empresa", ela se tornou serviço "essencial". Será?

Quando eu pensei a Igreja como uma “empresa”, aí eu entendi ela como um "serviço" essencial, ou não...Confesso, essa reflexão me deixa inquieto, nesta hora escura da nossa vida. Estamos num cenário de guerra, caos, de tantas dores, saúde em colapso.
Conheço muitos amigos (as) profissionais da saúde e da linha de frente no combate a Covid-19, que estão no limite da saúde psicológica, existencial e espiritual. Eles são humanos, dão suas vidas e que gritam para nós e não escutamos: fiquem em casa quando possível, obedeçam ao distanciamento social, higienizem bem as mãos e não façam aglomeração. E muitos de nós fazemos o contrário. Quanta desumanidade, falta de respeito com o próximo, com a vida e com o cansaço e grito do próximo.
Tendemos a pensar no nosso ego apenas, o outro que se “dane”, quero meu culto, quero minha missa. Tenho direito! E exigimos violentamente! Repito: insistimos em desobedecer às orientações devidas muitas vezes, sejamos nós sinceros. Em nome da “fé”. Aí dizem: mas os bares estão cheios, as praias, shopping, etc. Mas, a Igreja que vive de Cristo, vida em plenitude (Jo 10,10), é bar, praia, shopping? A consciência que temos é essa? A Igreja não é uma empresa, meus amigos (as), a Igreja vive de uma Pessoa, Cristo Jesus, o resto é marginal.
A vida é essencial nesta hora, e, se não temos leitos de hospitais disponíveis e insumos e profissionais com boa saúde para ajudar no combate ao coronavírus, como teremos vida? Indo ao nosso culto, seja qual for? Atenção: minha proposição não é banalizar o Sagrado. Jamais. Com o Sagrado não se brinca. Jamais.
Porquanto, viver de Cristo e reconhecer Cristo no grito e na dor do próximo: eis o culto mais agradável e belo da Igreja, nesta hora da vida. Sem deixar de salvar com Seus Sacramentos, isso não. É dever da Igreja salvar, jamais condenar. (Jo 3,17).
No meu Industrial, na São Pedro Pescador, eu e meu povo temos dado a vida, com fé e com razão dialógica. Servindo como podemos, se refazendo pastoralmente. É um desafio. Num momento de pandemia e de um vírus complexo como este, não podemos sucumbir de modo algum. Nenhum lugar está seguro. A fé não imuniza ninguém do vírus. A fé faz do crente ao não crente se perguntar: a vida é dom? A dor do próximo dói em mim? Que fiz da fé? Que fiz da Igreja? Como vivo de Cristo? Respeito a vida?
Confesso: há um ano estamos em uma batalha dolorosa, desumana e que exige equilíbrio humano e espiritual. Estamos todos na mesma batalha. E ainda não nos damos conta. A morte se institucionalizou? Estamos confundindo muitos conceitos. Estado laico, laicidade, Igreja, serviço, essencial ou não. Confusão! Tremenda e desonesta, e, que só ajuda nas brigas de quem tem ou não razão. Um reino dividido não se firma, se destrói a si mesmo. (Mt 12,25). Esta hora não é do “salve-se quem puder”, não é e nunca foi. Todos “juntos” se “unam” para salvar-se reciprocamente. A hora não é de se perguntar se Igreja é ou não serviço essencial. Não. Essa questão advém de uma falta de compreensão profunda da Eclesiologia. O que é a Igreja? O que é o mundo? Eis o nó da questão.
Meus caros (as), dei a minha vida a Cristo e a Sua Igreja e não me arrependo. Fui salvo e quero em Cristo salvar. Em um ano de pandemia muitos anônimos deram a vida para salvar: padres, pastores, médicos, garis, policiais, pessoas em situação de rua e tantas pessoas de boa vontade.
A Igreja é uma Mãe de Misericórdia, o rosto dela é belo: porque Seu Senhor é Cristo, Vida sem fim da Igreja. Confesso: tenho me questionado bastante ultimamente, sobre tantos conceitos, sobre este cenário doentio que estamos inseridos. Eis a proposição desta simples partilha: fazer “encher o íntimo do Coração”. A Igreja é serviço essencial? Se pergunte e responda. Sugestão: rezar com o Livro dos Atos dos Apóstolos e ler a Lumem Gentium, do Vaticano II.
E deixo uma meditação do Cardeal José Tolentino: “...um povo pascal o que é? É um povo acordado, é um povo desperto, é um povo que não se conforma a viver no exílio, é um povo que não se conforma à escravidão, mas que tem ânsia de liberdade. E é assim: todos nós sabemos o que é isto. Em cada um de nós isto se traduz de uma determinada maneira. Mas agarremos esta oportunidade. A Quaresma é uma oportunidade, é a grande oportunidade para fixar os nossos olhos em Cristo e sentir que a cruz é a alavanca de uma mudança, de uma conversão, de um renascimento, de uma transformação espiritual que pode verdadeiramente acontecer em nós.
Rezemos uns pelos outros, para não ficarmos parados, para não acharmos que já não é para nós, para não acharmos que burro velho já não se converte. Mas pelo contrário, acreditarmos que é possível, para lá dos imbróglios, da frieza, dos muros que nos separam e atravancam a nossa vida e verdadeiramente não nos deixam ser, não nos deixam viver com autenticidade. Para lá disso há uma possibilidade que Deus inaugura para nós – é possível, é possível, é possível! Um homem velho pode nascer de novo? Pode. Digamos isto no fundo do nosso coração e esta certeza nos ajude a dar os pequenos passos da confiança, da procura, da misericórdia, de um caminho de libertação interior. Porque, só assim, naquele domingo em que nós vamos a correr ao sepulcro, nós encontramos um sepulcro vazio. E o sepulcro que é preciso esvaziar é o nosso, é o da nossa própria vida.” (Homilia, Capela do Rato, Lisboa em 2018). Igreja, minha Mãe, és mistério, para além das minhas conjecturas limitadas, recebi o Beijo do Senhor da Igreja, de Coração Manso e Humilde (Mt 11,29), e agora me resta dizer aos amigos (as) da linha de frente e a todos (as) que estão no combate a COVID-19 e se encontram fadados, cansados e estafados: obrigado pela vida doada, obrigado, obrigado. O sacerdócio de vocês tem sido fecundo. E estimula o meu, segundo Melquisedec. Minha prece e minha vênia. Estou aqui, como disse Jesus, estou aqui. Vosso, Pe. Anderson Gomes.
Foto: Pe. Anderson Gomes, pároco da paróquia São Pescador (Bairro Industrial)