Quando “minha” eucaristia não foi a Eucaristia da Igreja, memorial de salvação...
Atualizado: 8 de mar. de 2021

Meus amigos (as). Estou no Deserto Quaresmal, no Êxodo, na penumbra e tenho colocado “minha” fé em crise para crer com a Igreja e como a Igreja, Mãe e Mestra, guardiã da Palavra revelada.
“Conhecereis a Verdade e ela vos libertará.” (Jo 8,32). Confesso: estou preferindo viver de perguntas, mais do que de certezas. A fé não se dá numa prova dos nove. Não. A vida crente é Caminho. E o Senhor do Caminho não me tira da “Noite Escura”, não me livra das perguntas, Ele atravessa comigo e me pergunta, me questiona. "E vós, quem dizem que Eu Sou?" (Mt 16,15), perguntou Jesus a seus discípulos.
Cristo é uma pergunta que não se encerra nos tratados e manuais da fé. Ele vai além, nos supera, nos surpreende. Nesse ínterim, aqui está o nó da questão: queremos explicação para tudo...Razão, pobre razão. “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim.” (Mt 15,8). -Tantas vezes sou assim, meu Senhor, tantas...- Porém, “Ele é fiel e não nos ilude.” (Dt 7,9).
Meus amigos (as), eu confesso e professo a Fé Católica e Apostólica, sim, sou cristão. Porém, não aprendi com a Igreja, minha Mãe (Santa Teresinha) a desautorizar e a desrespeitar a fé e culto de ninguém. Jesus “sentou à mesa com os pecadores (as).” (Mt 9,11). Ele sentou na minha pobre mesa, entrou na minha pobre casa. E ainda hoje Ele senta e o manjar servido por Ele é Sua Vida, a Eucaristia, que não se encerra na hóstia, matéria do Sacramento.
A Eucaristia é mais do que a hóstia, sinal visível de um Sacramento invisível, que nos concede “vida em abundância, em plenitude.” (Jo 10,10). Pois bem, ouvi esses dias um discurso dissociando a fé na Eucaristia da fé na Criação. Após estudar a Teologia da Eucaristia, e confesso que nada sei (Sócrates) da Eucaristia, pois no Campo do Mistério resta o abandono, a entrega, as perguntas e tenho tantas e são tantas... Tenho me perguntado: o que fizemos da Eucaristia? O que é a Eucaristia? Amuleto que me leva ao Céu?!
Uma vida eucarística madura não se dá na “devoção”, meus amigos (as), e sim na vida que se torna Pão repartido para vida do mundo, na Obra Criada. Lendo uma meditação do Cardeal José Tolentino fiquei provocado e lhe provoco: “o tempo da Quaresma é um tempo de revisão, é um tempo de formação, é um tempo para nos vermos ao espelho e dizer: não, a vida não pode ser o rame-rame, a vida não pode ser o deixa andar, a vida não pode ser esta coisa automática em que eu rotinizo o meu coração, em que eu me esgoto de forma sonolenta. A vida tem de ser outra coisa. Esse rasgão, essa abertura, essa brecha, essa possibilidade nova é que é em nós a Páscoa. Jesus faz-nos tomar a sério a nossa vida, faz-nos tomar a sério aquilo que somos. Por isso, nós temos de olhar para este instante, para este momento no seu dramatismo. Porque, no instante, no presente se joga o definitivo. Neste momento eu posso decidir o bem absoluto ou posso decidir perder a vida, posso decidir não escolher o amor.” (Homilia III Domingo da Quaresma, 2018).
Continuo a provocação, existencial, sem ofensas e com respeito: se sou “devoto” da Eucaristia e necessito participar diariamente da Missa para ser salvo e não zelo e cuido da Obra criada, dissocio a vida da obra Criada, e aí, meus caros, há uma inverdade teológica, das mais desonestas. Precisamos colocar a fé dos “youtubers” em crise e voltarmos ao Evangelho, que quando lido na Igreja e com a Igreja nos ajuda no caminho maduro da fé. E atenção, pessoas de boa vontade, quando eu não escuto a voz do sucessor legítimo de Pedro, no século Francisco, quando ridicularizo, falto com o respeito, desdigo do seu Magistério, estou fora da Comunhão visível, que se dá em Pedro e sob Pedro, na catolicidade que abraça a todos, na Verdade, no Amor e na Justiça.
Precisamos antepor a misericórdia aos Sacrifícios. “Em Cristo, Caminho, Verdade e Vida.” (Jo 14,6). Estamos diante de um comércio religioso gravíssimo em pleno século XXI, queremos comprar Deus, queremos comprar a Salvação, queremos fazer da Casa do Pai de Jesus, Casa de Comércio. E ainda usamos a Fé da Igreja, o Catecismo, e a Palavra de Deus. Precisamos de honestidade intelectual, de joelhos no chão. Ao modo dos Papas Bento XVI e Papa Francisco. Testemunho para um mundo dividido e em crise. Bento e Francisco. Teologia da vida, da continuidade. Voltemos a Eucaristia. O “palco” da celebração da Eucaristia foi a Criação. A Eucaristia é pão para peregrinos, para buscadores, para quem tem fome. “Quem tem sede venha a Mim e beba.” (Jo 7,37). “Tenho sede, tenho fome.” (Jo 19,17). Sendo assim, quando um membro por qualquer motivo, não está naquele momento “preparado” para tomar parte no Banquete Eucarístico, num único membro que comunga, todos comungam.
A Igreja de Cristo não é aquela do mundo, daqueles que comungam, e daquelas que não comungam. Essa Igreja é a nossa, não a de Cristo. Respeito, oração e solidariedade a tantas vidas que chegam doentes no corpo e na alma as nossas Igrejas. Respeito. Diálogo. Perdão. Eu tantas vezes comunguei, por tantos. Eu sou digno? Certamente não. Tudo é Graça. E não sou digno. Naquela Missa da Quinta Santa, o Senhor da Obra Criada, Se ofereceu para redimir o Homem e tudo o que foi Criado. Pois, “sabemos que até hoje toda a criação geme e padece, como em dores de parto. E não somente ela, mas igualmente nós, que temos os primeiros frutos do Espírito, também gememos em nosso íntimo, esperando com ansiosa expectativa, por nossa adoção como filhos, a redenção do nosso corpo.” (Rm 8,22-23)…”Ele desceu aos Infernos!” (Credo Apostólico).
Como falar do Céu sem falar da Criação? Como ter fé na Eucaristia se não cuido da Obra criada? A fé dos Padres da Igreja nos ensinou que não há dicotomia nesses artigos. O grande estudioso, padre Teilhard de Chardin, fez um estudo maduro e honesto sobre Eucaristia em relação com Criação...Aprofundemos! Francisco de Assis foi teólogo da Obra criada. Conhecemos sua teologia? A Teologia da Criação? Da Graça? Da Eucaristia? Ou queremos com nossos discursos, as vezes agnósticos, falar para um público que não quer amadurecer a fé? Termino: se a Igreja de Cristo nesses mais de 2 mil anos, na História, falou da Eucaristia, sem falar da Obra Criada, nossa Casa comum, desconheço. Perguntas, apenas perguntas. Uma oração para quem desejar: “Corpo de Cristo. Olhos inquietos por verem tudo. Ouvidos atentos aos lamentos, aos gritos, aos chamados. Língua disposta a falar verdade, paixão, justiça…Cabeça que pensa, para encontrar respostas e adivinhar caminhos, para romper noites com brilhos novos. Mãos gastas de tanto servir, de tanto abraçar, de tanto acolher, de tanto repartir pão, promessa e lar. Entranhas de misericordiosas para chorar as vidas golpeadas e celebrar as alegrias. Os pés em marcha em direção a terras abertas e a lugares de encontro. Cicatrizes que falam de lutas, de feridas, de entregas, de amor, de ressurreição. Corpo de Cristo… Corpo nosso. (José María Olaizola, SJ). Desconstruir para reconstruir, no Novo Templo: Cristo Jesus.
Vosso, Pe. Anderson Gomes
Foto: Bruna (Pascom da paróquia Nossa Senhora das Graças)