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Que tipo de julgamento fazemos?



Na correlação do termo louvar, existe, como sinônimo, o termo bendizer. Bendizemos a Deus porque O louvamos, principalmente pelo que Ele é, e, bem como, Se apresenta para nós. Para os que temos fé, louvar a Deus não é uma ação difícil. Entretanto, ainda no Sermão das Bem-Aventuranças, Nosso Senhor nos ordena: “Tira primeiro a trave no teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão” (Lc 6,42). O que Ele nos quer dizer?


Perceba, caro leitor, que Jesus se refere ao próximo – ao nosso próximo – como ‘irmão’; não nos fala de adversário, de concorrente, de desafeto… Mas nós, como uma vil espécie de juízes implacáveis, assim o temos, impertinentemente. E mais: com o “açoite” de nossa língua, com o cárcere de nossos ódios ou sentimentos afins, o castigamos e infligimos penalidades. Enfim, maldizemos o irmão, que, em Cristo, é “osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2,23); que, comigo, é imagem e semelhança divinas. Iludimo-nos ou nos perdemos na mentalidade de que somente podemos bendizer a Deus, e nunca aos outros.


Bendizer é também, tal como a própria palavra nos inspira, falar bem de alguém. E disto nos esquecemos ou nos furtamos. De maneira que, se de bem não posso falar, de mal nunca deverei fazê-lo. Mas será que, com exceção do Diabo e dos outros demônios, existiria alguém de positividade nefanda, de quem não acharíamos algum aspecto louvável? Será que, quando observamos, em incômodo, e caracterizamos os defeitos alheios, não nos estamos projetando naquele indivíduo, nosso irmão? Este discernimento é sempre válido. Entretanto, mesmo que não sejam projeções, nunca nos é permitido o julgamento dos defeitos alheios: “Caros irmãos, não faleis mal uns dos outros. Quem se põe a falar contra algum irmão ou passa a julgar o seu irmão, acaba protestando contra a Lei e a julga também. Ora, se passas a julgar a Lei, cessas de obedecê-la e assumis a posição de juiz. Um só é o Legislador e Juiz, Aquele que pode salvar e aniquilar. Tu, no entanto, quem és, para julgar o teu semelhante?” (4,11-12), é o que nos escreve São Tiago, Apóstolo, em sua Carta.


Por vezes somos expertos no julgamento, cruéis. Nesses momentos trágicos, transparecemos a nossa deplorável pobreza espiritual: “O fruto revela como foi cultivada a árvore; assim, a palavra mostra o coração do homem” (Eclo 27,7); ou ainda: “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração. Mas o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio” (Lc 6,45). Porém, se somos, simultaneamente, juízes e carrascos, qual recompensa nos esperará? No mesmo Sermão das Bem-Aventuranças, Jesus nos revela: “com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo” (Lc 6,38). Ou seja, se praticarmos a falta de misericórdia, também não seremos ‘misericordiados’ (conjugação do neologismo inventado pelo Papa Francisco para a exortação à prática da misericórdia).


Na “Imitação de Cristo”, um clássico da literatura cristã, temos a seguinte constatação: “O certo é que somos fracos, e nada mais que homens fracos, ainda que muitos nos julguem e chamem anjos. [...] Demais todo homem é mentiroso, fraco, inconstante, inclinado a pecar, mormente em palavras; de modo que mal se pode crer naquilo que, à primeira vista, parece verdade. [...] ‘Tomai cuidado, diz-me alguém, sê discreto; guarda para ti o que te digo’ e, enquanto calo e julgo a coisa em segredo, não pode silenciar quem recomendou silêncio; mas logo se descobre a si e a mim e lá se vai”. E a “Imitação de Cristo” ainda põe em nossos lábios a prece: “De semelhantes embustes e de homens levianos livrai-me, Senhor, não me deixeis cair em suas mãos, nem cometer tais faltas. Ponde em minha boca palavras verdadeiras e sinceras e afastado para longe de minha língua todo o artifício. Devo evitar em mim, a todo custo, aquilo que não quero aturar nos outros. Ó quanto é bom e proveitoso à paz não falar dos outros, não crer tudo, indiferentemente, nem repeti-lo sem reflexão! Abrir-se com poucos, buscar sempre a vós, Perscrutador do coração, não se deixar arrastar por qualquer sopro de palavras, mas desejar que tudo, dentro e fora de nós, se cumpra segundo o beneplácito de Vossa vontade!” (Livro III, capítulo XLV).


A misericórdia de Jesus deve-nos ensinar a travar as nossas relações, inspirando-nos em atitudes novas e amorosas para com todos.


Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Mosqueiro (Aracaju).

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