Resgatados para a vida

Interessante é a pedagogia paciente de Deus: sem precisar de nós, Ele nos veio buscar, salvar; Ele nos viu, vendo o nosso tormento, o tormento da condição humana, escrava do pecado.
“Eu vi a aflição do meu povo que está no Egito e ouvi o seu clamor por causa da dureza dos seus opressores. Sim, conheço os seus sofrimentos” (Ex 3,7). Esta constatação da misericórdia divina que resgata, não sendo indiferente aos sofrimentos da Sua criatura mais predileta não ficou no passado, diante daquela humilhação que os israelitas padeceram no Egito. Não, ela adentra séculos afora e nos chega pela via do grande resgate do qual fomos beneficiados: pela Cruz do Senhor, a nossa verdadeira libertação se deu. Não fomos libertados do Egito e das garras do Faraó, própria e historicamente ditos; fomos salvos da escravidão do pecado e do domínio do diabo, o adversário de Deus. Como profetizou a Virgem Santa Maria, a misericórdia divina pelo Sangue de Cristo, de geração em geração, chega a todos os que O respeitam (cf. Lc 1,50). E, assim, em Cristo, Deus demonstrou, sobremaneiramente, o Seu rosto cheio de compaixão porque é indulgente, favorável, paciente, bondoso e compassivo (cf. Sl 102,8); pois Ele, ó cristão, “te perdoa toda a culpa e cura toda a tua enfermidade, da sepultura ele salva a tua vida e te cerca de carinho e compaixão” (Sl 102,3-4).
Somente a misericórdia de Deus nos ressignifica. E, ainda no livro do Êxodo, temos isso, não apenas como uma constatação histórica daquele tempo da libertação mosaica, mas, principalmente, como uma promessa, que se realizou para nós em Jesus: “Desci para libertá-los das mãos dos egípcios, e fazê-los sair daquele país para uma terra boa e espaçosa, uma terra onde corre leite e mel” (Ex 3,8a). Esta descida de Deus – em grego: kênosis – para a libertação do homem, atolado no pecado, deu-se a partir da Sua encarnação, quando, solidário conosco, Ele tomou a nossa natureza humana, com exceção do pecado. Mas, ganhando a sorte do pecado, a morte do corpo, deu-nos o destino da divindade. Assim, Ele que, tal como dissemos anteriormente, nos salva da sepultura, da condenação da eterna morte (do inferno, portanto), deu-nos o Céu. E, como correspondência a este dom, o que nos cabe fazer? Convertermo-nos! É por isso que Jesus nos adverte: “[…] se não vos converterdes, ireis morrer do mesmo modo” (Lc 13,3.5); indo a padecermos a morte sem fim da condenação infernal, compartilhando da tragédia sem fim destinada ao diabo e aos seus asseclas.
Neste sentido ainda, o Catecismo da Igreja Católica ensinará: “Morrer em pecado mortal sem ter-se arrependido dele e sem acolher o amor misericordioso de Deus significa ficar separado do Todo-Poderoso para sempre, por nossa própria opção livre” (n. 1033). Morte eterna e inferno são sinônimos porque somente na relação íntima de amor com Deus é que somos vivificados; uma relação principiada aqui, neste mundo, mas plenificada no Céu, objeto de nossa esperança. Sim, somente em Deus está a fonte da vida (cf. Sl 35,10). Assim sendo, quando pecamos, deixamos de nos nutrir na fonte límpida e pura da graça (cf. 1Cor 10,4) e, ressequidos e sedentos, buscamos o emporcalhamento do pecado, envenenando-nos com o que é do deserto deste mundo, fazendo morrer aquela dimensão que em nós foi feita imortal: o nosso espírito.
Caso nos apercebamos neste estado deplorável, ainda há tempo de buscarmos o remédio, o antídoto para a nossa salvação: os sacramentos. E hoje, de uma maneira toda particular, como pastor da Santa Igreja e pai de almas, aponto-lhes a confissão, sacramento com o qual nos reconciliamos com Deus, resgatamos a nossa dignidade de filhos Seus, realidade que, do Céu à terra, ressignifica a nossa existência e nos faz desejar beber da fonte vital que é Cristo. Somente pela sincera confissão de nossa fraqueza, humilhados pela consciência das nossas faltas, seremos confortados e ressuscitados pela misericórdia do Senhor.
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).