Rezar sempre para não cair

Na última quarta-feira, a de Cinzas, quando inaugurávamos o salutar Tempo Quaresmal, refletíamos acerca do tripé que nos sustenta nesta caminhada rumo à Pascoa: a esmola (ou caridade), a penitência e a oração. Hoje, desejo deter-me acerca da oração, propondo-lhe, caro leitor, esta nossa reflexão.
Os evangelhos nos mostram a tentação do Senhor no deserto (cf. Lc 4,1-13; Mc 1,12-13; Mt 4,1-11). Creio que uma pergunta fundamental vem ao nosso coração: por que o Cristo se permitiu ser tentado? E a resposta nos vem de um autor cristão, pouco conhecido nosso, Teofilato, que nos esclarece com poucas palavras: “Jesus Cristo é tentado depois do batismo para insinuar-nos que nos aguardam tentações depois que sejamos batizados”. O retrato do Senhor no deserto é o nosso; as suas tentações por parte do diabo, são referenciais às que sofremos, porque, vindo o maligno, quer roubar de nós a semente da Palavra, da Fé, que recebemos de Deus pela Igreja no dia em que fomos banhados pela regeneração (cf. Mt 13,19).
A imagem do diabo como perturbador é bastante clara, portanto, em toda a Sagrada Escritura, fazendo justiça à sua alcunha ‘diábolos’, que, em grego, designa ‘o divisor ou aquele que divide’. A todo custo e com meios à nós inimaginados, quer o demônio nos afastar de Deus. E perceba que lhe é consentido tentar, ainda que em vão, o Senhor. Isso para nos dizer que, em vão, poderá o maligno nos tentar se estamos em profunda comunhão com Deus. E como se dá esta união com Ele? Principalmente pela oração. Assim como Jesus encontrava a Sua força no Espírito do Pai que, eternamente, é-Lhe comunicado, e, por este mesmo Espírito, está o Filho em união consubstancial com Pai no mistério Trinitário, encontramos a nossa força frente às tentações movidos pelo mesmo Espírito, recebido do Pai e do Filho pelas mãos e pela voz da Igreja, no dia em que fomos batizados e confirmados pela Crisma. É o Espírito Santo quem nos fortalece quando, inspirados por Ele mesmo, em oração, nos dirigimos a Deus e Lhe dizemos: “Abbá!, Ó Pai!” (Gl 4,6).
Entenda ainda que é o Espírito quem conduz Jesus ao deserto, e O guia. No mistério providente de Seu amor, o Espírito conduz-nos, guia-nos pelos desertos do mundo, em meio às tentações, inclusive. Mas, o importante não é isto, e sim que Ele nunca nos desampara. Muito pelo contrário, anima-nos e fortalece-nos a permanecermos sempre com Deus.
Vale frisar o ambiente onde o Senhor é tentado: o deserto. E Santo Ambrósio nos esclarecerá: “Convém recordar como aconteceu que o primeiro Adão foi caçado do paraíso ao deserto, a fim de que reflitas de qual modo o segundo Adão, do deserto, retornou ao paraíso. Observa como a condenação foi sido revogada, e os benefícios de Deus reintegrados nos seus desígnios”. O deserto sempre figurará o mundo. E o Senhor veio ao nosso deserto, para tirar-nos dos nossos ermos pessoais, onde não havia esperança de Deus, para levar-nos Consigo ao paraíso. E aquela resposta dada por Jesus ao Bom Ladrão se dirige à toda humanidade: - Estarás comigo no paraíso (cf. Lc 23,43).
O Senhor vai ao deserto, movido pelo Espírito, para estar em contato com o Pai. Note ainda que todas as respostas dadas por Jesus ao Diabo são extraídas da Escritura. Logo, o Senhor, ao reprisar o texto bíblico, manifesta a Sua oração, a Sua “sintonia afinada” ao Pai, no Espírito. Estar no deserto, ainda que em oração, ainda que no relacionamento com Deus, não é fácil. Mas, Deus não nos abandonará. E é justamente isso que Jesus nos ensina com o Seu exemplo mesmo: se permanecemos fiéis ao fiel amor de Deus, Ele consola-nos após a fortaleza recebida por nós, que é o Seu Espírito. Daí é que, na mesma cena do Evangelho, porém retratada por São Mateus, após as tentações permitidas ao Senhor, o Evangelista dizer: “Em seguida, o demônio o deixou, e os anjos aproximaram-se dele para servi-lo” (Mt 4,11).
E em que deve consistir nossa oração? A consistência da oração é uma fé convicta e professada na fidelidade a Deus, que nos concede a salvação (cf. Rm 10,10-11.13). E, agindo na mesma fórmula do que rezamos, logo, vivendo segundo as obras da fé que recebemos do próprio Cristo por meio de Sua Igreja, seremos salvos, e, desde já, nos sentimos salvos, porque a oração aproxima de nós o Céu, o Paraíso. Na oração, pré-degustamos os bens do Alto já neste deserto em que vivemos chamado mundo, com os seus perigos, por vezes, ocultos.
Que a ajuda e o exemplo do Senhor, na Sua fidelidade ao Pai no Espírito, ensinem-nos a vencer as tentações demoníacas.
Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Mosqueiro (Aracaju).