Saciados e sedentos

"Como a corça anseia pelas fontes das águas, assim anseia minha alma por ti, ó Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e estarei ante a face de Deus?" (Sl 42,2-3). Creio que o trecho deste salmo sintetiza a profunda e intermitente sede da alma humana.
Tomando o Evangelho de João (cf. Jo 4,5-42), que nos apresenta uma mulher misteriosa, chamada por nós pelo seu gentílico "Samaritana", vemo-la procurar saciar a sua sede periférica e fisiológica, mas que, na realidade, se encontra ressecada pela ânsia espiritual, gerada pelo vazio da sua essência e existência. Por sede essencial, entendamos que todos, sem exceção, somos sempre sedentos de Deus; já por sede existencial, esta é agravada pela desidratação da alma causada pelo pecado, pela imoralidade. Este último fator é trazido pela constatação feita por Jesus sobre a vida daquela mulher: "Disseste bem, que não tens marido, pois tiveste cinco maridos, e o que tens agora não é teu marido" (Jo 4,17-18). Marido não no aspecto conjugal, mas como um falso amor, como um adultério a Deus, tal como se configura o pecado: uma traição ao coração de Deus, que quer desposar a nossa alma.
A samaritana é sedenta, não de água, mas, como diz o Profeta Amós, "de escutar a Palavra de Deus" (Am 8,11); Ela possui sede do Verbo, afã da Palavra encarnada, sequidade do Cristo, portanto. E, como possuímos tão grave desidratação, - bendita necessidade cuja sanação não admite substitutos - vejamos o Cristo que, de pé, diz em alta voz, convidando-nos: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba. O que crê em mim, como diz a Escritura (cf. Is 44,3), do seu seio correrão rios de água viva" (Jo 7,37-38). Assim, mesmo sedentos, o nosso coração não será apenas um recipiente que reterá a água viva, mas será um canal fluente para o coração de tantos e tantos outros que padecem a cruel sede espiritual. Também nisso, a samaritana deverá retratar-nos: depois de saciada (chamemo-la também instruída acerca da verdadeira fonte), ela coopera como apóstola: "Vinde ver um homem que me disse tudo o que fiz. Será que ele não é o Cristo?" (Jo 4,29). Ao encontrar no Senhor a nova, a verdadeira, a inextinguível água para a vida eterna, que satisfaz, sobremaneiramente, a alma, a Samaritana - afirma Santo Tomás de Aquino - "largou lá mesmo, quase como se esquecesse aquilo mesmo porque ela havia vindo ao poço - a água e o seu cântaro -, tão grande foi a sua absorção. Daí é que se diz que a mulher deixou o seu cântaro e foi à cidade, foi anunciar as obras maravilhosas do Cristo, […] seguindo assim o exemplo dos Apóstolos, dos quais se diz: 'Eles, no mesmo instante, deixaram as redes e seguiram-no' (Mc 1,18)".
Interessante que, mesmo atraídos a Cristo pelo convite e testemunho daquela mulher, os seus conterrâneos disseram-lhe: "Já não cremos por causa das tuas palavras, pois nós mesmos ouvimos e sabemos, que este é verdadeiramente o salvador do mundo" (Jo 4,52). Simultaneamente saciados e ainda sedentos 'por' e 'de' Deus, é nosso grave dever apresentá-Lo ao mundo para que, crendo, pela fé, permita-se à salvação, convencendo-se de que não há outro que propicie felicidade, verdadeira satisfação, senão o próprio Deus.
Satisfeitos pela fonte da água inesgotável Cristo, canais da Sua graça, atraiamos ovelhas sedenta. E assim como o curso d'água não fascina sedentos por si mesmo, mas pela substância que corre em si, assinalemos o Espírito de Cristo, que brota, constantemente, no interior de quem crê.
Padre Everson Fontes Fonseca, Presbítero da Arquidiocese de Aracaju