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Santa Maria, Mãe de Deus, Rainha da Paz



Contemplando a Virgem Maria, Mãe de Deus, veneramo-la trazendo nos seus braços virginais o seu Divino Filho, a nossa Paz.


Pensemos que nos diversos momentos da vida de Nossa Senhora, ela sempre esteve em paz. Por quê? Porque sempre esteve em comunhão com o seu Deus, servindo-O com toda a força do seu interior, sempre voltado para Ele. Contemplando-O espiritual ou fisicamente, mas sempre com uma mirada de fé, Maria soube pôr n’Ele a sua esperança, amando-O tenazmente.


Já antes da anunciação de Gabriel, o Arcanjo, a Virgem de Nazaré permitia-se iluminar pelas palavras das Escrituras que ouvia. E se a audição à Escritura lhe preparava o coração para o acolhimento ao Verbo, à Palavra que nela Se fez carne e habitou entre nós (cf. Jo 1,14), Maria encontrava no que escutava, na relação com o Deus que já lhe era gerado no coração, as suas delícias.


Na Encarnação, ainda que ficasse perturbada quando da saudação angélica – ou melhor: divina pela boca do Anjo – dizendo o seu “Fiat”, pondo-se como “serva do Senhor” (Lc 1,38), a eleita Mãe de Deus, concebendo-O, encontrou a sua segurança, que não estava simplesmente num assentimento dado por sua consciência (ainda que iluminada), mas na certeza de que, pelo “sim” que deu, o Salvador que tanto a humanidade esperava, principalmente por ela, estava por vir.


Como embaixadora, Maria levou a paz a Isabel, pois já portava o bendito Fruto no seu ventre imaculado. Levando Jesus à casa de Zacarias e Isabel, já pelo caminho, Maria transportava a bênção de paz, apresentando-a ao mundo. Creio que não exagero em afirmar que aquela jornada de Nazaré até às altas montanhas da Judeia, até ao vilarejo de Ain Karim foi a primeira procissão do Corpo do Senhor nas estradas de um mundo tão violentado pelo pecado, tão perturbado e perturbador. Com a sua presença no lar da anciã Isabel e do sacerdote da Antiga Lei Zacarias, cumpre-se, de fato, e tem sentido, a bênção sacerdotal de Aarão: “O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e se compadeça de ti. O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz” (Nm 6,25-26). No seu Magnificat, ainda na casa de Isabel, temos o testemunho vocal de Maria, que reconhece as proezas do Senhor, que a escolheu e a fez bendita, porque nela está Aquele que é a razão da justiça e da paz no mundo.


No Natal do Salvador, o canto dos anjos que anunciou aos pastores aquele misterioso acontecimento, o “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados” (Lc 2,14), já estava sendo executado pelas “cordas” do coração de Maria Santíssima. Não é por acaso que São Lucas traz-nos a atitude interior de paz da Virgem, ao afirmar: “Quanto a Maria, guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19).


Nesta reflexão também, o confessor da fé São Máximo, na sua obra “A vida da Virgem”, se exprime, dizendo que Maria não apenas conservava e meditava as palavras que os pastores lhe disseram, “mas tudo aquilo que fora visto e escutado desde o princípio no Templo e, depois do Templo, a Anunciação do anjo e a concepção sem semente, e a natividade sem dor e a virgindade após a natividade, isto é, não apenas ela eludiu as dores da maternidade, tornou-se mãe e permaneceu virgem, como não sentiu o nascimento. […] Essas foram as maravilhas inefáveis e impenetráveis que a Santíssima Maria guardou em seu coração e, devido a tudo isso, ela contentou-se com o nascimento do verdadeiro Deus por intermédio dela, aquele que fez de Sua própria Mãe Imaculada a mais bem-aventurada entre todas as gerações, gloriosa nos Céus e na Terra, e exaltada por todos” (n. 35).


A mesma serenidade de Maria encontramos também quando da visita dos magos. Entretanto, como um ensaio do Calvário, diante da profecia de Simeão, quando da apresentação e circuncisão do Menino e da sua purificação maternal, de que o seu Filho haveria de ser um sinal de contradição para a queda e soerguimento de muitos, a Mãe de Deus escutou acerca do sofrimento acerbo que também lhe esperava: “uma espada transpassará a tua alma” (Lc 2,35). Sem compreender o que, ao certo, significariam tais profecias também a seu respeito, Ela não se turbou.


Como não pensarmos na aflição do coração da Mãe quando se desencontra de Jesus-Adolescente, quando este vai, pela primeira vez, a uma festa no Templo?! Se, por um lado, ela se preocupa, quiçá questionando a sua responsabilidade materna – inclusive se houve algum descuido de sua parte –, dos lábios de seu Filho, ela reencontra a paz do seu coração imaculado, pois escutou: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” (Lc 2,49). E, em mais uma vez, São Lucas traduz-nos o que se passou no interior da Virgem: “Eles, porém, não compreenderam o que ele lhes dissera” (Lc 2,50), ao que arremata, como uma constatação da perene meditação presente na espiritualidade de Maria: “Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração” (Lc 2,51).


A paz do coração de Maria sempre a fez peregrinar e esmerar-se na fé. Prova disso está, por exemplo, nas Bodas de Caná: diante da observação do fato do findar-se do vinho, confiante e em paz, Maria vai, rapidamente, do pequeno diálogo inconcluso com o seu Jesus ao imperativo aos serventes: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5). Para dizer que a fé, geradora de segurança, também produz a paz diante da tomada de atitudes.


Mas, para não me delongar mais, passemos ao Calvário e às realidades pascais. Como ali Maria demonstrou-se não apenas ser a dolorosa, a esperançosa, a fiel e corajosa, a invictamente elegante aos pés da cruz, mas, em meio a tais atributos entrevistos naquela hora suprema, sintetizamo-los naquele que tematiza este nosso "encontro" (ainda que escrito): ali, a Virgem Santíssima apresenta-se como a Senhora da Paz, não simplesmente por sua atitude interior, mas, sobretudo, porque ali demonstrava ser – mais do que noutras ocasiões – a Mãe de Deus por ser a Mãe de Cristo. Sim, porque Cristo é “a nossa paz, ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava, abolindo na própria carne a lei, os preceitos e as prescrições. Desse modo, ele queria fazer em si mesmo dos dois povos uma única humanidade nova pelo restabelecimento da paz, e reconciliá-los ambos com Deus, reunidos num só corpo pela virtude da cruz, aniquilando nela a inimizade. (Ef 2,14-16).


E a Virgem Pascal, mesmo não tendo a sua visão do Ressuscitado relatada por evangelista algum, permanece como a Rainha da Paz, porque, ainda que o seu Filho glorioso não lhe tivesse aparecido, a sua fé já tinha a Sua vitória sobre o pecado e a morte por certa. E quando do medo dos Apóstolos no Cenáculo, lá estava a Mestra da paz e da oração a ensinar-lhes a não ter medo, a abrir os seus corações para o acolhimento da grande promessa de Cristo e do Pai para aquele momento de Pentecostes: o Espírito Santo, que lhes concederia a coragem e a placidez de anunciarem o nome de Jesus, inclusive de, impavidamente, sofrerem perseguições, dificuldades e martírios.


No final da trajetória de sua vida sobre este mundo, Maria foi assunta à paz celeste de corpo e alma, incorrupta, para receber a coroa de glória por recompensa. Proclamada bendita por toda a Igreja, sempre por causa dos méritos de Jesus, chamamo-la e reconhecemo-la em sua litania como Rainha da Paz. Esta é a última saudação que lhe dispensamos quando da récita daquela mui expressiva oração. Por que, quando rezamos a ladainha lauretânea, deixamos por derradeiro tal adjetivo de Maria? Porque ele arremata, de uma só vez, como num compêndio, toda a atitude interior da vida de Nossa Senhora, que sempre meditava a sua existência à luz de Cristo, sua e nossa Paz, ainda quando, de maneira vã, a dor queria perturbá-la.


No limiar deste Ano Novo, encontremos a nossa Paz acomodada no trono dos braços de Maria Santíssima. E, deixando-nos iluminar pela fé e pela meditação dos fatos de nossa vida no abandono em Deus, não nos turbe tribulação alguma, pois os nossos dias, estando nas mãos de Deus, estarão em boníssimos e sapientíssimos cuidados. Basta que aprendamos da Virgem, Rainha da Paz, e a imitemos.


Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru)

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