Ser amigo da Cruz

Na sua Carta aos Filipenses, São Paulo, advertirá, tanto àquela comunidade, quanto à nós, acerca dos “inimigos da cruz de Cristo” (3,18). E o que nos chama a atenção é o fato de que o Apóstolo o faz num clamor que lhe chegam lágrimas. Mas, a quem se refere a advertência sobre os inimigos da cruz?
O Apóstolo das Nações não nos deixa na ignorância: os adversários da cruz do Senhor são os que idolatram os prazeres; os desinteressados para com o que é de Deus, para com as Suas realidades; os que se desanimam ou pouco caso fazem do caminho da ascética; que desistem fácil ante as dificuldades na imitação de Cristo: “o deus deles é o estômago, a glória deles está no que é vergonhoso e só pensam nas coisas terrenas” (Fl 3,19). E mais: São Paulo informa-nos qual destino está reservado para eles: a tragédia eterna, pois o “fim deles é a perdição” (Fl 3,19).
Porém, se existem os inimigos da cruz de Cristo, devem existir os amigos. E quem são? A resposta é dada pelo mesmo Paulo: são os que aguardam, firmes, o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, imitando-O, e, assim, se tornam “cidadãos do céu” (Fl 3,20). São Luís Maria de Montfort, na sua “Carta aos amigos da Cruz”, irá conceituá-los da seguinte maneira: “Um amigo da Cruz é um homem escolhido por Deus, entre dez mil que vivem segundo os sentimentos e a razão, para ser unicamente um homem todo divino e elevado acima da razão, e todo em oposição aos sentimentos, por uma vida e uma luz de pura fé e por um amor ardente pela Cruz. Um amigo da Cruz é um rei todo-poderoso e um herói triunfante do demônio, do mundo e da carne em suas três concupiscências. Pelo amor às humilhações, esmaga o orgulho de Satanás; pelo amor à pobreza, triunfa da avareza do mundo; pelo amor à dor, amortece a sensualidade da alma. Um amigo da Cruz é um homem santo e separado de todo o visível, cujo coração está acima de tudo quanto é caduco e perecível, e cuja conversa está no Céu; que passa pela terra como estrangeiro e peregrino; e que, sem lhe dar o coração, a contempla com o olho esquerdo da indiferença, calculando-a com o desprezo aos pés. [...] Enfim, um perfeito amigo da Cruz é um verdadeiro porta-Cristo, ou antes, um Jesus Cristo, de maneira que possa, em verdade, dizer: ‘Vivo, mas não eu, é Jesus Cristo que vive em mim’ (Gl 2,20)”.
É para a amizade à Cruz, com o Homem Crucificado, que o Senhor leva consigo Pedro, Tiago e João ao Monte Tabor. Estavam os discípulos angustiados, quiçá, desesperados, pela grande revelação feita por Jesus há pouco, oito dias antes da Transfiguração: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar. [...] Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me; pois quem quiser salvar a sua vida, este a perderá; mas quem perder sua vida por causa de mim este a salvará. Com efeito, que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou a arruinar-se a si mesmo? Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, o Filho do Homem também se envergonhará dele quando vier na sua glória e na glória do Pai e dos santos anjos” (Lc 9,22-26).
Logo, sabemos: os amigos da Cruz são aqueles que, para serem salvos, se abandonam em Deus e nos Seus desígnios; na ciência que, na Sua Sabedoria, Deus nos conduz; os amigos da Cruz são os que conseguem reconhecer o Senhor Jesus, desfigurado, na Sua e na nossa dor; que não temem os desconfortos da vida, suporta-os e os têm como lucro para a obtenção de Cristo, nunca renegando o Senhor pelas fantasiosas ‘facilidades’ de uma vida envergonhada de Cristo e do Seu Evangelho. É para este tipo de amizade que o Senhor convida os Seus discípulos, e convida-nos também, naquela mesma experiência referida pela voz do Pai: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz!” (Lc 9,35).
Sabemos que todos abandonaram o Senhor quando do momento de Sua Paixão e Morte; todos, com exceção de João, que conseguiu introjetar a ordem do Pai quando da manifestação da glória de Jesus no Tabor. Todos se esqueceram do que viram quando Jesus mais precisou de amigos, não reconhecendo o Cristo desfigurado, que, anteriormente, Se transfigurou. Não entenderam que, para chegar à glória, deviam percorrer o caminho da cruz. Como João, o Apóstolo e Evangelista, apresenta-nos: a cruz do Senhor é a Sua glorificação; e a nossa glória está em cumprir, fielmente, a vontade de Deus, ainda que Ele nos permita as cruzes de nossa vida. São João ainda entendeu que é bom para nós permanecermos com o Senhor, montar a nossa tenda junto Dele (cf. Lc 9,33), acompanhá-Lo sempre, ser-Lhe amigo. Que nunca o abandonemos!
Padre Everson Fontes Fonseca é pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Mosqueiro (Aracaju)