Tempo para o bem

No vislumbre da Quaresma, iniciado com a Quarta-Feira de Cinzas, o Santo Padre Francisco sempre divulga a sua mensagem para os filhos da Igreja que deverão viver este tempo forte da Liturgia. Muito embora, nestas linhas que apresento ao meu caro irmão e leitor, não traga a sua exortação de Pastor universal da Igreja de Cristo para este ano, desejo retomar as palavras ditas por ele em 2022, mas que, independentemente de quando foram pronunciadas, reforçam-nos a um nobre ensejo para um programa quaresmal.
Em primeiro lugar, naquela ocasião, o Papa reafirmou a importância da vivência deste tempo sacrossanto, porque “a Quaresma é um tempo favorável de renovação pessoal e comunitária que nos conduz à Páscoa de Jesus Cristo morto e ressuscitado”. Sim, a Quaresma, liturgicamente, prepara-nos para a grande Solenidade anual da Páscoa, a maior de todas as festas do Calendário Litúrgico, ao que, dela, são regidos todos os elementos da vida da Igreja do Senhor. Entretanto, ainda que nos preparando para a Páscoa litúrgica, este tempo deseja preparar-nos para a nossa participação na Páscoa eterna do Cristo, enquanto estes quarenta dias são imagem da nossa inteira existência terrena, e, por isso, “a Quaresma convida-nos à conversão, a mudar mentalidade, de tal modo que a vida encontre a sua verdade e beleza menos no possuir do que no doar, menos no acumular do que no semear o bem e partilhá-lo” (Francisco. Mensagem para a Quaresma 2022). É, portanto, a Quaresma um programa de toda uma vida.
Estamos no tempo. Este termo – tempo – será bastante utilizado por nós durante estes dias. Em grego, tempo apresenta-se de duas maneiras: cronos e kairós. O tempo cronológico é aquele conhecido por nós, regido pelos dias e estações que se sucedem velozmente pelos calendários e pelos relógios; o tempo kairótico é o da graça de Deus, que já age no coração humano que a Ele se dilata; é o da ação de Deus em nós, numa atuação que aponta o coração do homem para eternidade. O Papa Francisco, na sua mensagem quaresmal, quando apresentou a temática do tempo para a prática do bem - "Não nos cansemos de fazer o bem; porque, a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos" (Gl 6, 9-10a)", exprimiu-se, afirmando que “São Paulo fala-nos dum kairós: um tempo propício para semear o bem tendo em vista uma colheita”. Assim, o cristão, consciente de que o tempo da graça deve dar sentido aos seus dias sobre este mundo passageiro, deve aproveitar toda e qualquer oportunidade para, como Jesus e em Seu Nome, praticar o bem, transmitindo o amor de Deus para todos, testemunhando-o. Desta maneira, esforça-se, constantemente, para dissipar, pelo bem, o mal que, infiltrado pelo pecado, deseja, em vão, dominar o mundo, travestido, inclusive, de ganância e de soberba, de anseio de possuir, acumular e consumir.
Durante a Quaresma, tempo de graça e de conversão, “somos chamados a responder ao dom de Deus, acolhendo a sua Palavra ‘viva e eficaz’ (Hb 4,12). A escuta assídua da Palavra de Deus faz maturar uma pronta docilidade à sua ação (cf. Tg 1,19.21), que torna fecunda a nossa vida” (Francisco. Mensagem para a Quaresma 2022). A Palavra de Deus, que sempre nos orienta e nos orientará durante esta caminhada de quarenta dias, é uma propositura ao bem “como uma graça pela qual o Criador nos quer ativamente unidos à sua fecunda magnanimidade” (Francisco. Mensagem para a Quaresma 2022), porque, só Deus é bom, Fonte de toda bondade; enquanto nós somos apenas seus canais.
Diante de um mundo que está armado para uma nefasta guerra – dentre tantas que, silenciosamente, já acontecem –, o tempo da Quaresma é uma esperança, já que “chama-nos a repor a nossa fé e esperança no Senhor (cf. 1Pd 1,21), pois só com o olhar fixo em Jesus Cristo ressuscitado (cf. Hb 12,2) é que podemos acolher a exortação do Apóstolo: ‘Não nos cansemos de fazer o bem’ (Gl 6, 9)” (Francisco. Mensagem para a Quaresma 2022). E o tripé que nos sustentará na graça deste tempo – a oração, a penitência e a caridade – ser-nos-á necessário nesta jornada.
“Não nos cansemos de rezar”, exortou o Papa, que nos diz mais: “Precisamos de rezar, porque necessitamos de Deus. […] No meio das tempestades da história, encontramo-nos todos no mesmo barco, pelo que ninguém se salva sozinho; mas sobretudo ninguém se salva sem Deus, porque só o mistério pascal de Jesus Cristo nos dá a vitória sobre as vagas tenebrosas da morte. A fé não nos preserva das tribulações da vida, mas permite atravessá-las unidos a Deus em Cristo, com a grande esperança que não desilude e cujo penhor é o amor que Deus derramou nos nossos corações por meio do Espírito Santo” (Francisco. Mensagem para a Quaresma 2022).
Referindo-se à penitência, representada pelo jejum, o Bispo de Roma, no ano passado, já conclamava o que sempre é orientação da Igreja: “Não nos cansemos de extirpar o mal da nossa vida. Possa o jejum corporal, a que nos chama a Quaresma, fortalecer o nosso espírito para o combate contra o pecado. Não nos cansemos de pedir perdão no sacramento da Penitência e Reconciliação, sabendo que Deus nunca Se cansa de perdoar. Não nos cansemos de combater a concupiscência, fragilidade esta que inclina para o egoísmo e todo o mal, encontrando no decurso dos séculos vias diferentes para fazer precipitar o homem no pecado. Uma destas vias é a dependência dos meios de comunicação digitais, que empobrece as relações humanas” (Francisco. Mensagem para a Quaresma 2022).
E, quanto a prática da caridade, representada pela esmola, escreveu Francisco: “Não nos cansemos de fazer o bem, através duma operosa caridade para com o próximo. [...] exercitemo-nos na prática da esmola, dando com alegria (cf. 2Cor 9,7). Deus, ‘que dá a semente ao semeador e o pão em alimento’ (2Cor 9,10), provê a cada um de nós os recursos necessários para nos nutrirmos e ainda para sermos generosos na prática do bem para com os outros […] A Quaresma é tempo propício para procurar, e não evitar, quem passa necessidade; para chamar, e não ignorar, quem deseja atenção e uma boa palavra; para visitar, e não abandonar, quem sofre a solidão” (Francisco. Mensagem para a Quaresma 2022).
“O jejum prepara o terreno, a oração rega, a caridade fecunda-o” (Ibidem). Este caminho, ainda que ajudados pela graça divina, pode-nos parecer difícil e trabalhoso aos nossos fracos esforços. Por isso, o cristão deve esforçar-se a dar o melhor de si, conscientemente. Se por ventura faltarem-nos as forças ou mesmo cairmos ao longo desta via quaresmal, contemos com a misericórdia do Divino agricultor, e peçamos-Lhe a Sua constante paciência para não desistirmos de praticar o bem. E, dessa forma, quem cair, estenda a mão ao Pai que nos levanta sempre; quem se extraviar, enganado pelas seduções do maligno, não demore a voltar para Deus, que “é generoso em perdoar” (Is 55, 7).
Que a Mãe do bondoso Senhor nos ensine e nos ajude neste tempo há pouco iniciado. Aponte-nos ela o caminho para a Páscoa litúrgica e para aquela que, diariamente, devemos nos preparar.
Padre Everson Fontes Fonseca, pároco da paróquia Sagrado Coração de Jesus (Grageru).